sábado, 13 de fevereiro de 2016

O Regresso: quando o cenário é maior que o filme

Por Vilma Pavani

Nunca fui chegada em filmes sobre sobreviventes a naufrágios, acidentes, nevascas etc e tal. Muito menos gosto de filmes sobre alguém querendo se vingar a qualquer custo. Só por isso não deveria ter ido assistir O Regresso (The Revenant, que soaria melhor como O Retornado, ou O Ressurgido, pois tem um significado em inglês que tem um quê de “voltado dos mortos”), que deve dar finalmente o Oscar a Leonardo DiCaprio. Aliás, também não sou fã número 1 do ator, que por sinal está muito bem no filme, mas não melhor do que em O Aviador (2004) ou Os Infiltrados (2006). Só que em O Regresso vale o esforço físico na neve, o total abandono da pele do herói bonitinho, coisa que Hollywood adora premiar. Com aqueles olhos, não se consegue estragá-lo totalmente, mas chegam bem perto.
O diretor, o mexicano Alejandro González Iñárritu, vem se destacando “na comunidade” americana, depois das indicações por Babel (do qual não gostei e que só ganhou o Oscar de trilha sonora) e dos quatro Oscar (incluindo direção e melhor filme) com Birdman, bem melhor e com uma formidável interpretação de Michael Keaton, que deveria ter levado a estatueta no lugar de Eddie Redmayne . Ainda acho que é um diretor em ascensão e que deve ser avaliado nos próximos trabalhos. Nesse, dá umas escorregadelas feias quando tenta fazer poesia levitacional com a esposa morta (não, não é spoiler, isso fica claro desde o começo do filme) do explorador vivido por DiCaprio e que lidera um grupo de caçadores de peles  pelo gelado rio Missouri abaixo (ou acima) em finais do século XIX. O resumo do filme já deixa claro que ele é atacado por selvagens, depois por um urso, é abandonado para morrer e conta sua luta para sobreviver e se vingar de quem fez isso com ele.
Bem, o filme todo é isso e eu teria me entediado se não fosse o magnifico trabalho de um homem, Emmanuel Lutezki, que faz maravilhas com a fotografia e trabalha com grandes  planos-sequências inclusive em cenas de ação, o que deve ter dado um trabalho dos diabos! Não estranhei o resultado depois que descobri que ele foi o fotógrafo de A Ávore da Vida (2011)de Terrence Malick (como os filmes de Malick não são do tipo entretenimento fácil, nem dão muita bilheteria, muita gente perde a chance de conferir o que Lutezki é capaz de fazer com uma câmera). Vale a pena ver qualquer coisa que ele faça, até propaganda de cerveja. Ninguém assiste a O Regresso sem se sentir dentro daquele cenário primitivo de neve, frio, sangue , maldade e, às vezes, inesperada solidariedade. Quando a câmera "olha para cima", você se vê, pequeno e frágil, sob o olhar frio e meramente observador de Deus. A história do filme é “esquecível”, o visual é quase tudo. Se o diretor merece aplausos, acho que é mais por não interferir (suponho que tenha sido assim) com o trabalho de seu fotógrafo.
Em alguns momentos, o modo de trabalhar de Lutezki  e do diretor  me fizeram lembrar de Dersu Uzala, um dos mais belos filmes de Akira Kurosawa, inclusive a cena de construção de um abrigo feita por um índio para salvar a pele de DiCaprio. Kurowasa também trabalhava em apenas determinadas horas do dia para conseguir os efeitos de luz na floresta,com tomadas  longas e belas. Já outra cena de O Regresso me fez dar uma risadinha, porque em dado momento o ator se enfia na carcaça de um cavalo para escapar da morte pelo frio e eu pensei: "Pronto, virou Star Wars" (lembram de Han Solo colocando Luke dentro de um bichão para salvá-lo, numa nevasca?)
Embora sobre pouco espaço para os demais atores, o parceiro traidor (Tom Hardy) e o capitão da expedição (Domhall Gleason) por exemplo, têm chance de mostrar que são bons atores . Sem falar no urso, ou melhor, na ursa, que merecia um Oscar como "Mãe do Ano". Por sinal, a ursa estava cheia de razão ao atacar, tentando proteger seus filhotes, que sem dúvida não tiveram a menor chance de sobreviver sem ela.




Vilma Pavani é jornalista, detesta filmes cheios de sofrimento e acha que os homens brancos  não tinham nada que se enfiar onde não foram chamados.

3 comentários:

  1. Deixei comentário no fim de semana passado, mas não salvou. Bom, o que eu dizia é que foi interessante você mencionar Árvore da Vida, porque eu achei que alguns momentos lembraram muito a concepção visual daquele filme e não tinha me ocorrido que o diretor de fotografia era o mesmo. Também achei a cena da ex-mulher flutuando forçada, mesmo como sonho ou imaginação. Gostei mais do filme do que esperava, e vi nele um paralelo forte com Mais forte que a vingança (Jeremiah Johnson), de 1972, com o Robert Redford. Quem puder, dê uma conferida, para ver se não é muito semelhante. O Iñarritù é um excelente encenador, mas, por ser ambicioso demais (o que é raro hoje) em termos artísticos, nem sempre realiza plenamente suas intenções. Do seus trabalhos, 21 Gramas, de escopo menor, ainda é o que considero mais completo nesse sentido.

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    1. Luiz, parece até que você estava no nosso bate-papo esta semana. Fizemos comentários parecidos. Concordo com você sobre 21 Gramas. Inãrritù prometia mais nesse trabalho.

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  2. Putz, o mesmo ocorreu agora , fiz um comentário grande sobre o seu texto e sumiu de repente! Mas eu gostei da lembrança do Jeremiah, um filmaco e que, além de belíssimo, como história é muito mais interessante que o Regresso. Concordo em gênero , número e grau. O Inarritu é bom, mas ainda me deve uma consistência maior, embora o Regresso seja um filme bem tenso e que nos prende mesmo com os excessos. Ahh e a Dora está certa, acho que você estava de ghost na nossa conversa recente. Abraço e obrigada pela expandida que deu nas minhas ideias sobre o filme.

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