sábado, 4 de fevereiro de 2017

Estrelas além do tempo ou figuras escondidas

Por Dora Carvalho

A história por trás do filme Estrelas além do tempo é por si só e incrível e fascinante. Três mulheres afro-americanas foram responsáveis por parte dos cálculos e preparativos para levar os americanos à dianteira em uma das maiores disputas do período da Guerra Fria entre Estados Unidos e Rússia: a corrida espacial. Enquanto os russos tinham Yuri Gagarin fazendo o primeiro vôo na órbita terrestre, os americanos se debatiam com uma série de erros e fracassos, colocando em risco a existência da NASA.
Margot Lee Shetterly, autora do livro Hidden Figures (ou figuras escondidas), ainda estava pesquisando em 2014 a história das mulheres que eram “computadores”, quando foi convidada a participar do roteiro de um filme que ganharia o mesmo título. Até o início da década de 60, computadores eram pessoas que faziam os cálculos matemáticos necessários para a execução de projetos da NASA. A Segunda Guerra Mundial e o período da Guerra Fria (a tensa disputa por hegemonia entre EUA e Rússia) fizeram com que o governo norte-americano recrutasse centenas de profissionais da área de matemática e engenharia. Por essa razão, a população afro do país começou a ocupar, ainda que de forma tímida, postos de trabalho no serviço público. Katherine Globe, Mary Jackson e Dorothy Vaughan era um desses “computadores”. Apesar do conhecimento e sólida formação acadêmica, se deparavam com severas limitações sociais em razão da segregação de pessoas: não podiam frequentar os mesmos locais que a população de cor branca, escolas, estabelecimentos públicos e, mesmo assim, foram pioneiras em suas áreas, lutando com as armas que tinham contra o preconceito. Eram mães, esposas e trabalhadoras em busca de dignidade para suas famílias e ascensão pessoal e social.
Em departamentos dominados por figuras masculinas no início dos anos 60, as três conseguiram feitos gigantescos para a época: conseguiram não só serem ouvidas, mas também puderam contribuir com a pesquisa científica e evolução do conhecimento.
Só que, como o título em inglês do livro nos apresenta, eram figuras escondidas. Os nomes dessas mulheres até muito pouco tempo atrás eram quase desconhecidos nos meios acadêmicos e científicos. Até que Margot Lee Shetterly iniciasse a pesquisa dessa história que logo ganhou destaque com a compra dos direitos de adaptação para o cinema.
É difícil definir o que é melhor neste filme, já que uma história tão interessante não ofereceu dificuldades para o diretor Theodore Melfi (ainda sem grandes títulos no currículo) transpor para as telas uma narrativa tão instigante. Mas ele fez mais. Colocou no elenco três gigantes: Octavia Spencer (que faz Dorothy Vaughan), Janelle Monáe (cantora estreante como atriz e já surpreendeu) e Taraji P. Henson, que está arrasando no papel da matemática Katherine Globe e, sem dúvida, conduz o filme, tamanha a força da interpretação. O longa tem ainda Kevin Kostner, Kirsten Dunst e Jim Parsons (o eterno Sheldon Cooper de “The Big Band Theory) que funcionam como um excelente elenco de apoio para fazer as três atrizes brilharem ainda mais.
O filme Estrelas além do tempo não tem grandes inovações cinematográficas, mas se agiganta com as atuações, a perfeita recriação de época, seja no figurino e cenários e, finalmente, pelas discussões que suscita. Apesar do excesso de indicações de La la Land – Cantando estações, ficarei na torcida para que a força da história de vida de três mulheres notáveis ganhe ainda mais destaque. O longa concorre a três premiações: Oscar de melhor roteiro adaptado, atriz coadjuvante para Octavia Spencer e de melhor filme. É possível que a atriz traga a estatueta para o filme.

Recomendo muitíssimo a leitura do livro, que traz com riqueza de detalhes como era o dia a dia da NASA nas décadas iniciais, quando era chamada de NACA, assim como a vida dos trabalhadores do primeiro centro de computação do complexo de pesquisa espacial. O filme é inspirado na história escrita pela autora, com mais destaque para o feito dessas três mulheres. Este é um raro caso em que livro e filme se complementam, já que foram produzidos quase que ao mesmo tempo e ambos são muito bons. Vale a leitura antes ou após o filme.






Estrelas além do tempo - Margot Lee Shetterly - Editora HarperCollins (2017)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente e participe do blog!