sexta-feira, 31 de julho de 2015

O replicante de Blade Runner e a velhice

Por Vilma Pavani

Minha infância, no interior paulista, foi povoada de velhos. Penso nos meus vizinhos e não consigo lembrar de uma casa onde não houvesse um avô ou avó pelo menos. Ou uma tia solteirona. Era comum que mesmo as casas mais pobres tivessem um puxadinho nos fundos para abrigar os agregados. Um irmão do meu avô, com problemas mentais, ficou ao Deus dará com a morte dele, acontecida em outra cidade. Viviam juntos apenas os dois e ninguém queria ficar com o “tio” maluquinho, mas botar em um asilo nem pensar. Fizeram uma reunião, em Marília, onde vivia a maioria da família. Muita conversa vai , muita conversa bem, até que um irmão da minha mãe decidiu-se: “Se o problema é um lugar pra dormir e um prato de comida, deixem que eu resolvo”. E lá se foi o Cesário, barulhento, já velhusco, às vezes teimoso feito uma mula mas quase o tempo todo um tipo alegre e sociável, morar em uma edícula nos fundos da casa do meu tio, onde viveu por mais dez ou quinze anos, de modo decente e confortável. Cesário tinha coisas de menino, aparecia na casa da gente falando alto e se enfiando na mesa na hora do almoço, e muitas vezes queria ser útil e bagunçava mais do que ajudava. Aporrinhava, sim, mas resmungávamos e ficava por isso mesmo.

E nos fundos do meu quintal havia uma espécie de vilinha onde só viviam japoneses. Eles mantinham seus velhos (e como tinha japonês velho!) em casa: eles eram reservados e muitas vezes malcriados com as noras, genros e netos, mas ninguém dava um pio contra eles – ao menos em voz alta.
Tive uma tia que acabou internada num asilo, irmã de meu pai, mas era uma pessoa meio louca, imprevisível, com momentos agressivos. As freiras que tomavam conta do lugar avisavam meu pai durante as crises e lá ia ele, duas, três vezes na semana, visitar tia Maria. Como ele fazia não sei, mas conseguia acalmá-la e ainda achava tempo para consertar telhados e móveis da instituição. Minha mãe brincava dizendo que só Jesus estava acima dele entre as religiosas.
Perdi a avó paterna aos cinco anos, pouco lembro dela. Mas morou com meus pais, claro, desde que ficou viúva, até morrer. Baixota, magra e ignorante, como a maioria dos imigrantes italianos que vieram do campo, tinha modos ditatoriais e minha mãe deve ter sofrido nas mãos dela, pelo pouco que sei. Já minha avó materna era uma mulherona falante, gorda e alta, fofoqueira pra dedeu. Hoje posso dizer que era uma “avó itinerante”: teve sete filhos e vivia na casa de cada um pelo tempo que lhe convinha, ficando às vezes dois e às vezes até seis meses. Os filhos, genros e noras suspiravam conformados quando ela comunicava (sem nunca pedir permissão) que ia chegar, de mala e cuia. Aliás, nem tinha cuia, apenas carregava suas coisas pessoais. Os filhos que cuidassem de alimentá-la, arrumar médico, dentista, cabeleireira. Eu a detestava por conta da língua maligna e grudava no meu pai: onde ele ia (para fugir dela), eu ia atrás. Mas ele aguentava o tranco; afinal minha mãe também tinha aguentado a parte dela com a sogra.

Cresci sabendo que tinha de respeitar essas convenções. Mamãe, que nunca quis morar com ninguém depois de viúva, foi diariamente visitada pelo meu irmão e/ou cunhada até o fim da vida. Minhas duas irmãs e eu tínhamos vindo embora para São Paulo, mas sempre havia uma de nós na casa dela, em férias, feriados, natais.

Particularmente, só depois dos 50 anos me dei conta de que também estava ficando velha. Sem filhos, não teria ninguém para cuidar de mim. No fundo, até achava que se preciso meus irmãos dariam um jeito, me colocariam em algum lugar. Mas parecia um universo tão distante ... Velhice era coisa pros outros, não para mim.
Por sinal sempre achei graça na tia de uma amiga, velhinha de mais de 80, muito econômica, e que quando lhe diziam que devia gastar um pouco mais, viajar, jogar bingo, sei lá, aproveitar a vida, respondia: “Não posso, estou guardando para minha velhice”.

Ultimamente, tenho visto muitos velhos – até porque eles são a minha geração, oras – e muitos vivem sozinhos ou mesmo se tornaram mantenedores de filhos e netos. Triste realidade a nossa... São em geral tratados como estorvo, mesmo quando suas economias ajudam a sustentar escolinhas e o lazer das crianças. Felizmente, também há aqueles que continuam ativos, depois dos 60 ou 70, trabalhando e se virando por si próprios. Fazem cursos, se distraem, nem que seja indo ao médico! Esses são felizardos.
No meu caso, como sempre trabalhei, não me dei conta de que a idade batia à porta. Mas em algum momento tive de cair na real. Hoje, com 66, observo as pessoas no metrô, na rua, no cinema, buscando a minha “turma”;  e a não ser no caso dos visivelmente ricos, vejo que a qualidade de vida dos idosos mudou bastante – no meu entender, pelo lado “humano”, para pior. Ninguém tem muito tempo para eles. Não vejo filhos e netos acompanhando-os. Também fico de olho na minha vizinhança, e raramente vejo velhos morando com a família. Pela primeira vez, sinto receio. Não da morte, mas de como viver até lá sem ser estorvo. Tudo que quero – olha a ironia – ... é morrer “saudável”, isto é, ir embora de repente, sem tempo nem pra dar tchau a quem fica. Pavor de ficar entrevada numa cama, incapacitada de locomoção, ou pior, nas trevas do Alzheimer. Tenho pena dos velhos, como tenho dos cães e gatos abandonados.
Penso sempre no filme “Blade Runner, O Caçador de Androides”, em que um grupo seleto de replicantes se revolta por conta suas vidas breves, com prazo determinado de validade. No final, o líder deles, Rutger Hauer, uma figura magnífica, no auge de sua beleza e masculinidade, se conforma com a morte , mesmo sem concordar com ela. E sua tristeza fica clara numa breve fala, diante do seu “caçador”, Harrison Ford (também num de seus momentos máximos) e cujo conteúdo jamais esquecerei. Ele diz assim: “Eu vi coisas que vocês não acreditariam. Um ataque de naves em chamas no Cinturão de Orion. O brilho de raios-C na escuridão, perto do portão de Tannhauser. E todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. É hora de morrer”. E morre mesmo. Chorei e choro sempre que vejo a cena.

Bem, mas na época em que vi o filme (de 1982) eu entendia o replicante: tanto conhecimento e morrer assim, tão cedo, bestamente, parecia horrível. Mas hoje leio as notícias, olho as pessoas à minha volta, com suas vidas pela frente, em um mundo que só se complica conforme amadurecemos, e não entendo porque fazemos questão de viver além de certo tempo, ou ter esperança de passar adiante o que aprendemos e vivemos. Quem se importa?
Lá pelas tantas a gente sabe que nada de muito fundamental vai mesmo acontecer conosco. Francamente, bem que eu gostaria de poder decidir e, de livre e espontânea vontade, olhar um dia para um ponto qualquer na noite e dizer: “Hora de morrer.” Quem sabe brilhar por um momento e fim.


A cena final 



 Blade Runner - O caçador de Andróides - 1h57
 Direção: Ridley Scott


Vilma Pavani é jornalista, está ficando uma velhota ranzinza e acha que existem basicamente dois prazeres na vida ao ver um filme: falar bem ou falar muito mal!

"Velho, mas não obsoleto"

Por Vilma Pavani 

O título acima vem de uma frase dita mais de uma vez por Arnold Schwarzenegger em seu novo filme,  O exterminador do futuro – Gênesis (2015), que está estourando nas bilheterias nacionais e internacionais. E além de se juntar a outros slogans que prometem ficar (tal como “I’ll be back” ou “Hasta la vista””), é uma descrição perfeita desse brutamontes que no último dia 30 de julho fez 67 anos. Nascido na Áustria, Schwarzenegger, ator que beira o abaixo da crítica, é um ex-fisiculturista, cinco vezes Mister Universo, ator, empresário e político– foi o 38º governador do estado da Califórnia, eleito  em 2003. Além do mais, burro é que não é mesmo: li certa vez que ele colecionava obras de arte e quando lhe perguntavam porque não investir em ativos financeiros, respondeu algo assim: “É muito mais agradável olhar para meu dinheiro e usufruir dele pendurado nas paredes”. Virei fã de carteirinha.

Recentemente, o ator esteve no Brasil para divulgar o novo fime e  fez uma promessa durante entrevista ao G1: atuará em filmes de ação “até morrer”. O exterminador do futuro – Gênesis, seu quarto como o cyborg que protagoniza a franquia, está nos cinemas brasileiros e quem for vê-lo notará  que  está em ótima condição física, e lembrem que sua primeira vez no pape foi há 30 anos!

Foram três filmes na sequência (ele só não atuou em um deles, porque estava ocupado governando a Califórnia, para o bem ou para o mal). Ao todo, a franquia arrecadou até hoje mais de US$ 1 bilhão em bilheteria. OK, o filme tinha a ótima direção de James Cameron (o competente mas chato diretor de Titanic e Avatar), mas aposto todos os meus milhões de dólares que sem Arnold a coisa não teria ido tão longe. O jeito canastrão, a cara de robô inexpressivo, a grandeza de não tentar “atuar” (a pior coisa do mundo é ator ruim tentando  parecer bom – vide Sylvester Stallone) e um quase inexplicável carisma atraem o público feito água.
Bom, até agora não abri o bico sobre o novo filme, que fui ver no fim de semana passado. Mas me poupem, não me digam que alguém quer mesmo saber o que a a crítica pensa do filme. O negócio é sentar numa boa cadeira (de preferência no Shopping Vila Olímpia, com aquele espaços enormes entre os ocupantes, de forma que  você não ouve bem o que os babacas ao seu lado comentam), esticar as pernas e se divertir, com as caras e olhares tortos do cyborg , com algumas piadinhas irresistíveis. Se os outros atores estão bem? Sei lá, quem vai prestar atenção numa mocinha boboca e num rapagão esforçado? Queremos é ver Mr Arnold em cena! Velho, sim, mas não obsoleto, oras.

Voltemos, pois, à carreira incrível desse cara, que começou a se destacar em  1977 com o documentário sobre o concurso de Mr. Universo, O Homem dos Músculos de Aço. Em 1982, ganhou sua chance no filme Conan - O Bárbaro (em que  tem meia dúzia de falas, bem ruins aliás, mas faturou mais de 100 milhões de dólares e gerou a sequência Conan - O Destruidor). Veio então O Exterminador do Futuro e o resto é história. Fez um monte de  filmes de ação: Comando para Matar, Predador Inferno Vermelho, O vingador do Futuro  etc etc (com muita porcaria no meio deles) e até comédias, como Um Tira no Jardim de Infância e Irmãos Gêmeos, além do delicioso True Lies, com a fantástica Jamie Lee Curtis. Dizem que fez também um filme de zumbis, mas este eu não vi, que afinal não sou cyborg.
Na coluna anterior, eu estava meio chateada com a situação dos nossos velhos (inclusive a minha) e temo ter sido um pouco amarga. Quando penso em Arnold Schwarzenegger , ou na série Grace and Frankie,  reconsidero. E lembro o velho chavão sobre certos vinhos, que ficam bem melhores com o tempo. Viva a veiarada que sabe se atualizar!





O Exterminador do Futuro: Gênesis - 2h06 (2015)
Direção: Alan Taylor


Vilma Pavani é jornalista e não perde um filme de Arnold Schwarzenegger se possível – ou no cinema ou na TV. Se alguém duvida, pergunte-me sobre um filme chamado Cactus Jack, O Vilão, bizarríssimo, de 1979, em que ele faz um xerife bobão e atua com nada menos que Candice Bergen e Kirk Douglas. Só Deus sabe como foram parar lá! Ganha um pirulito quem viu!

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Hugh Jackman: cada dia melhor e em duas versões

Por Dora Carvalho

Quem me conhece bem já sabe que Hugh Jackman é um dos meus “queridinhos”. Acompanho a carreira do ator desde o filme Swordfish: a senha (2001/Dominic Sena). Filme fraquinho, eu sei, porém, o ator australiano, pelo menos para mim, já prometia. Artista super dedicado, aos poucos, Jackman foi conquistando Hollywood e emplacando um sucesso após o outro. Além de ficar super popular com o personagem Wolverine na saga X-Men (2014), ganhando filme próprio (2013/Wolverine-Imorta/James Mangold), finalmente recebeu um Oscar - merecidíssimo - por sua atuação em Os miseráveis (2012/Tom Hopper).

Neste ano, Jackman, que está com 46 anos, surpreende em dois filmes, com visual completamente diferente um do outro. Na última semana, saiu o novo trailer de Pan (outubro/2015/Joe Wright), que reconta a história do clássico Peter Pan do dramaturgo J.M. Barrie, publicada em 1911. Jackman será Barba-Negra e está quase irreconhecível na figura do personagem pirata.




Em Chappie, Jackman interpreta o engenheiro Vincent, interessado em sabotar um ambicioso projeto de criação de robôs na África do Sul, que irão substituir a força policial local. O filme já está disponível para locação via streaming:



segunda-feira, 20 de julho de 2015

Uma princesa muito diferente: o conto da Princesa Kaguya

Por Vilma Pavani

Você gostou de Operação Big Hero, da Disney – que venceu o Oscar de melhor animação em 2015, derrotando O Conto da Princesa Kaguya  (Kaguyahime no Monogatari/Japão)? Bem ... sinto muito, mas das duas uma: ou você não viu o conto japonês ou está faltando sensibilidade para apreciar as verdadeiras coisas boas. 
Sei que a cultura japonesa é muito diferente da ocidental e que ficamos viciados em um só tipo de olhar, aquele facinho, ao estilo “bem contra o mal” e o bem sempre vence no fim, nos quais os acontecimentos seguem lineares e o moralismo se sobrepõe à moral (sim, são coisas diferentes). Já vi muita gente boa dizer que os desenhos japoneses são incompreensíveis, que são lentos e absurdos (como se uma princesa sair congelando tudo que toca seja muito normal...). 
Minha sugestão é que vá ver de olhos e mentes bem abertos essa maravilha desenhada toda a mão, em suaves tons aquarelados (e de vez em quando cortada pela fúria de traços pretos de carvão, conforme as situações, que nos provocam sensações melancólicas, alegres, sutis, ou levemente assustadoras pela força dos traços). 
animação foi criada por meio de técnicas convencionais. Como disse, tudo foi pintado e desenhado em papel e somente depois pós-produzido em computadores. Dirigida por Isao Takahata, co-fundador do Estudio Ghibli (ao lado de Hayao Miyazaki  (A viagem de Chihiro/2003 e Pony, uma amizade vinda do Mar/2008, entre outros) tem um roteiro envolvente e poético, e uma linda trilha sonora. Foi inspirado na lenda popular japonesa O Corte do Bambu, uma das mais antigas histórias do país, criada por volta do século X. Um simples cortador de bambu encontra dentro de uma planta uma garotinha minúscula e de aspecto nobre. Ao levá-la para casa, a menina se torna um bebê humano que cresce  rapidamente e recebe o apelido de Pequeno Bambu das crianças vizinhas. O pai, muito simples, recebe presentes de outros bambus (ouro e roupas de seda), o que o leva a sonhar um futuro glorioso para a filha adotiva. Ele a arranca do lugar e a leva para uma nova vida de luxo e etiqueta na capital. Torna-se a princesa Kaguya e sua beleza e seus talentos a fazem disputadas por vários nobres. A pressão e a saudade da vida simples e dos amigos da infância levam a jovem a se tornar infeliz e a conduzem  a uma jornada que revela sua verdadeira origem. 
Com os japoneses nada é simples, e sua literatura e seus filmes, inclusive os infantis, são capazes de delicadezas infinitas, sem no entanto dourar a pílula: a vida é feita de emoções diversas, ganhos e perdas e não há concessões. Uma lição de vida para todos, grandes e pequenos. Mas ao menos no caso do Estudio Gihbli, há uma enorme preocupação em mostrar que homem e natureza são parte de um todo e devem conviver em harmonia. Uma pequena joia que todos deveriam tentar ver: respirando com o olhos e o coração cheios de boa vontade para perceber que o mundo é muito mais do que parece. Aproveite, ainda está nos cinemas!



O Conto da Princesa Kaguya
O Conto da Princesa Kaguya é um filme japonês de animação de 2013 produzido pelo Studio Ghibli, dirigido e adaptado por Isao Takahata
Indicações: Oscar de Melhor Filme de Animação, Japan Academy Prize - Melhor Animação

Vilma Pavani é jornalista, nascida em Marília, terra de japoneses, e tem até os olhos meio puxados de tanto comer sushi nos vizinhos, tomar banho de ofurô, dormir sob futons e ter amigos chamados Satiko, Harumi ou Takashi. Isso talvez explique a fascinação por essa cultura tão especial. Jia ne! (até mais)

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Quando a Inglaterra se une a Bollywood: O Exótico Hotel Marigold 2

Por Dora Carvalho

Três palavrinhas para o filme O Exótico Hotel Marigold 2 – imperdível, inesperado e surpreendente. Quando vi o trailer do primeiro filme e o elenco, mal pude acreditar que estava ali uma produção que reunia Maggie Smith e Penelope Wilton (Downton Abbey), Bill Nighy (Simplesmente Amor) e Judi Dench (Philomena).
Nesta segunda edição da história, o diretor John Madden (Shakespeare Apaixonado) não apenas repetiu esse elenco estrelado como convidou Richard Gere (Noites de Tormenta) para integrar a continuação da trama ambientada em um local que também poderia ser chamado de Fabuloso Hotel Marigold.
Tanto o primeiro filme quanto o segundo tem como protagonista Dev Patel (O último mestre do ar), que interpreta Sonny Kapoor, um entusiasmado e ambicioso dono de uma propriedade decadente na Índia, que sonha em transformá-la em um elegante hotel para idosos que estão próximos de atingir “a grande ascensão”, nas palavras do personagem. Um local em um país quente e exótico, pronto para receber idosos de várias partes do mundo, que não querem terminar a vida em enfadonhos eventos de família, cuidando de netos ou asilos convencionais. E, por que não, prontos para uma última grande aventura na vida do outro lado do planeta. A história é baseadas em livro de título homônimo da escritora e roteirista britânica Deborah Moggach.
A atuação de Patel nos dois filmes é simplesmente adorável. O ator, que tem 25 anos, passeia entre gigantes do cinema e teatro britânico com vigor e ao mesmo tempo com a harmonia necessária para atuar ao lado de atores tão experientes. E o enredo também ajuda. As histórias de cada um dos personagens vão se entrelaçando aos poucos, assim como no primeiro filme, seus dramas, problemas da idade madura, assim como a busca de novos desafios profissionais, amores e aventuras. Diálogos engraçados ou tipicamente de humor negro inglês, já que estamos falando de pessoas conscientes da própria finitude, mostram o quanto o diretor e roteirista enxergou nas histórias da vida madura e nos atores que escolheu uma fina expressão das mudanças sociais e comportamentais das pessoas que se recusam a falar em aposentadoria, pijamas e chinelos. Lógico, que o humor britânico ácido ficou por conta de Maggie Smith, a intrépida sócia do Hotel Marigold.
Como diz a personagem Evelyn Evergreen (sobrenome sugestivo, já que a palavra também significa “sempre-viva” ou “perene”): “quantas novas vidas ainda podemos ter”? Quantas quisermos”, ela mesma responde.

Imperdível para quem gosta de cinema inglês e ainda com uma pitada do exotismo indiano, seja na música, no colorido e nos lindos rituais de casamento. Uma mistura perfeita de humor inglês com Bollywood.






Para quem não viu o primeiro filme: 


O Exótico Hotel Marigold 2 (2015) – 2h03
Inglaterra, EUA
Direção: John Madden.

O Exótico Hotel Marigold (2012) - 2h04
Inglaterra
Direção: Johm Madden

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Séries para degustação: maratona de férias

Por Dora Carvalho

Meus amigos sempre me perguntam quais séries estou assistindo e me pedem dicas das que eu já vi. Adoro ver séries com temporadas curtas, com menos de 15 episódios, possíveis de serem vistas em uma maratona de feriado prolongado ou agora nas férias de julho. O difícil é quando a temporada termina e ficamos com gostinho de quero mais. Os títulos escolhidos para este post não são novos, porém, se encaixam bem para quem quer ver algo rápido. E todas são baseadas em livros, então, há a possibilidade de ler a história original.


Três séries me causaram essa sensação de quero mais. A primeira delas foi Under the Dome, baseada em livro homônimo do Stephen King. O primeiro episódio já nos prende a atenção. A pacata cidade de Chester’s Mill, no Maine, misteriosamente, é recoberta por uma imensa cúpula transparente que a divide do resto do mundo. A série tem duas temporadas de 13 episódios cada uma, disponíveis para assinantes do Netflix e já foi transmitida pela TV aberta. Tão interessante quanto o mistério do domo invisível, é perceber a transformação do comportamento dos habitantes que, após ficarem isolados do restante do País, formam um microcosmos do que são as relações humanas nos dias de hoje: a busca pelo poder político e econômico, mesmo que em detrimento do bem comum.


Outra série com enredo tão sinistro quanto é Resurrection. Estou falando da versão americana baseada no livro de Jason Mott, porém, há uma produção francesa e outra do Netflix com enredos bem parecidos. Os habitantes da pequena cidade de Arcadia, no Missouri, começam a receber de volta seus entes mortos de forma inexplicável. Pessoas que “passaram dessa para uma melhor” há 30, 50…100 anos atrás reaparecem do nada, como se tivessem apenas dormido algumas horas, vestindo as mesmas roupas que foram sepultadas. O primeiro a reaparecer é o pequeno Jacob (crianças nessas situações sinistras sempre dão um mistério maior em tramas sobrenaturais). O menino ressurge em um arrozal na China e é levado para casa pelas autoridades do FBI, que inicia um processo simples de entrega de um suposto orfão à família. Lá, o agente de imigração J. Martin Bellamy, interpretado por Omar Epps, se depara com o impossível e ele mesmo parece ser a figura central desse mistério.






O seriado Sleepy Hollow é para quem gosta de fantasia com uma pitada de história. Sou apaixonada pelo filme Sleepy Hollow - A lenda do cavaleiro sem cabeça (1999), de Tim Burton, então, quando vi essa série, logo fiquei interessada, mas demorei muito para conseguir ver. Adorei tanto quanto o filme, principalmente por atualizar a trama para os dias de hoje e brincar com o passado e presente, através da figura do personagem Ichabod Crane. Vivido pelo ator britânico Tom Mison (excelente no papel, com um toque de humor tipicamente inglês), Crane é um soldado morto em batalha no ano de 1781, durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos. Mas é envolto de um feitiço que o faz levantar nos tempos de hoje na cidade de Sleepy Hollow. O problema é que o cavaleiro sem cabeça ressurge junto com Crane que, junto com a tenente Abbie Mills (Nicole Beharie), começa a investigar uma série de decapitações no condado. O enredo mostra alguns mistérios da maçonaria e brinca com a história norte-americana, dando respostas divertidas para alguns fatos históricos, que supostamente teriam fortes conexões com bruxaria. A trama é baseada no conto de Washington Irving – A lenda de Sleepy Hollow – publicado dentro do livro “The Sketch Book of Geoffrey Crayon”, de 1820.






sexta-feira, 3 de julho de 2015

Grace and Frankie: Vida madura

Por Vilma Pavani

Nos velhos tempos da ditadura (que hoje parecem tão bons para alguns, mas era um horror para quem tinha cérebro) todo tipo de discussão no cinema sofria censura. Chegou uma hora em que os diretores e atores nacionais  não conseguiam trabalhar ou terminar nada por conta disso e perceberam que o jeito de sobreviver era fazer filminhos simples, comédias sem pretensão, mas com uma certa dose de sexo, pelo menos para atrair público. Nascia aí um gênero (nos anos 70) que durou cerca de 15 anos, até a volta da democracia: a pornochanchada, mistura das ingênuas chanchadas da Atlântida dos anos 30 a 60, com os chamados “filmes da boca do lixo”, que exploravam o erotismo até a beira da pornografia.
É interessante que os zelosos censores não permitiam qualquer cena que lembrasse uma greve ou crítica a militares, por exemplo, mas achavam normal apresentar mulheres seminuas, tarados, adúlteros etc. Parte dos setores mais conservadores também reclamavam da pornochanchada, mas provavelmente a preferiam ao cinema politizado. Nesses filmes, invariavelmente, personagens velhos, gays, feios ou gordos eram ridicularizados. Verdade que isso não mudou tanto: até hoje, pouco se fez no cinema brasileiro e mundial para mostrar que existe vida além da juventude, da magreza ou de outros estereótipos hollywoodianos. Mas também é inegável que houve avanços.
Vamos ficar aqui com os personagens idosos. Todo mundo sabe (ou devia saber) que atores e atrizes, mesmo os de primeiro time, não podem envelhecer, sob pena de ficar sem papéis relevantes – uma realidade que é mais sentida nos Estados Unidos. No máximo, conseguem interpretar personagens à beira da morte, senis ou fazer uma pontinha como “avô da noiva”, o “tio chato” de algum adolescente, coisas do gênero. Sexo na terceira idade, então, nem pensar. A não ser que seja para ser tratado  como o velhote pervertido ou a mulher idosa que sustenta algum salafrário.
Portanto, é uma grata surpresa assistir ao seriado americano “Grace and Frankie”, produzido pela Netflix e criado por Marta Kauffman, roteirista que marcou uma geração de espectadores com "Friends" (1994-2004). Naquela época, Kauffman falava da geração dos 25 aos 35 anos. Agora, ela aborda as relações entre pessoas na faixa dos 70 anos, de maneira divertida, mas sem ser “bobinha”. O quarteto central é composto por Jane Fonda (77 anos), Lily Tomlin (75) Martin Sheen (74) e Sam Waterston (74). Também foge do politicamente correto: Lily, que faz uma eterna hippie, fuma maconha descaradamente, e o primeiro capítulo da série mostra Sheen (Robert) e Sam ( Sol) pedindo divórcio às protagonistas e se beijando,  ao assumirem que são gays. Quando Grace pergunta porque demoraram tanto a  sair do armário, Robert explica: porque agora podem se casar.
As diferenças entre os personagens (Grace, chiquérrima e sofisticada, é o oposto de Frankie, com suas roupas ripongas, seus produtos naturais, sua ioga, e Robert faz o contraponto descolado para o tímido Sol) são o sal da comédia. E o núcleo familiar e de amizades também se destacam, garantindo boas risadas e alguma reflexão sobre sexo, drogas, hábitos e as dificuldades de se retomar a vida após o divórcio. 
Os mal humorados certamente vão dizer que o drama é superficial, mas acredito que só de ver na tela personagens que passam longe da obsessão pela juventude eterna já vale a pena. É bom para os mais velhos, que se vêm retratados como pessoas que têm vida “normal”  e para os mais novos, que podem olhar para seus avós, pais, professores, como gente com os mesmos anseios que eles.