sábado, 30 de maio de 2015

Os “Grandes Olhos” de Tim Burton

Por Dora Carvalho

Sou fã confessa e de carteirinha de Tim Burton. O estilo do diretor sempre tem algo que me agrada muito, um quê de caricatura, algo grotesco, uma maldade vil e ao mesmo tempo risível. Não foi diferente com Grandes Olhos (2014), apesar de ser um filme singular se comparado a outros do cineasta.
Primeiro porque explora uma história real. A pintora norte-americana Margareth Ulbrich, ou Margareth Keane, vivida no filme por Amy Adams, pinta telas com crianças de grandes, melancólicos e assustadores olhos. Prato cheio para Tim Burton explorar. Mas o fato é que a vida dessa artista é fascinante. Ela passou anos casada com Walter Keane (Christopher Waltz), que assumiu publicamente as obras da esposa como sendo dele próprio. O filme apresenta as desventuras da talentosa artista que, apesar do sucesso de suas obras, vivia à sombra do sucesso do marido.
O segundo ponto deste filme é que o grotesco característico de Burton desta vez ficou por conta da própria história. Como uma mulher pode viver uma farsa dessas por tanto tempo? O que ela representou para época, levando o próprio marido aos tribunais para retomar o direito sobre suas obras.
O maior destaque do filme é Christopher Waltz. O ator passeia em cena com tamanha naturalidade e um risinho cínico que fica até difícil não gostar do marido vilão. Mas é lógico que as tramoias acabam sendo tão assustadoras quanto os grandes olhos da artista. Amy Adams está comovente e melancólica no papel da mãe solteira que se encanta por um charlatão das artes plásticas e acaba casando para manter aparências sociais.
Outro destaque é a perfeita ambientação de época, com cenários, figurinos e os enormes carros da década de 50. O longa também nos instiga a pensar sobre os limites da arte e o valor do artista em tempos em que tudo é mercadoria.




Torcendo pelos super-heróis

Por Vilma Pavani

Quem é que não gosta de gibi? Desde os mais velhos até as crianças de hoje, todos têm seus heróis ou mesmo anti-heróis prediletos. Verdade que atualmente muitas vezes os heróis das HQs se misturam aos personagens dos videogames, que de certa forma são substitutos digitais dos bons e velhos gibis. A magia também passou para os filmes e não é a toa que as franquias da Marvel fazem tanto sucesso nos cinemas, entre adultos e pequenos.
Qualquer um que tenha visto filmes como Thor, Homem de Ferro, X-Men, Hulk ou Vingadores entra em contato com um mundo onde Bem e Mal são superdefinidos e no qual os “mocinhos” sempre vencem. Evidentemente, isso satisfaz nossas necessidades de justiça, verdade, amizade, solidariedade etc. Por exemplo, no momento está nas telas do cinema  “Vingadores: Era de Ultron”. Na trama, Tony Stark, o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), tenta colocar em ação um programa de paz virtual, mas coisas desandam e o destino do planeta Terra corre risco.  E quando o vilão Ultron (feito pelo ótimo James Spader) entra em ação, os Vingadores (basicamente Thor, Capitão América, Hulk, Homem de Ferro, Arqueiro e Viúva Negra) precisam unir-se e impedi-lo de concluir seus planos terríveis.
Bem, embora o filme em si seja quase uma reflexão sobre a consciência de si e do mundo, é interessante observar que nossos heróis, por mais que falem sobre liberdade e democracia, buscam preservar o mundo como ele está (como se estivesse tudo bem...). E sempre defendem o conceito americano de “mundo livre”, (ainda que isso implique intervir diretamente nos outros países). Claro que estamos fazendo apenas uma digressão, até porque é impossível não torcer pela vitória dos “mocinhos” .
Lembro um comentário do teatrólogo (de esquerda) Bertold Brecht sobre o filme Gunga Din (de 1939), em que o personagem é um aguadeiro indiano que apoia as forças de ocupação britânicas e sonha ser corneteiro. Brecht disse em artigo que em vez de herói, numa leitura não-colonizadora, Gunga Din seria visto como um traidor do seu povo – mas reconhece que a força artística do filme  o fazia torcer descaradamente (termos meus) pelo triste e simplório personagem. Mais tarde, fenômeno semelhante aconteceria com os indígenas americanos contra John Wayne: quem de nós não torcia pela chegada da cavalaria para acabar com os índios selvagens  que massacravam os corajosos colonos? Nunca considerávamos que estes sim eram os invasores, que acabavam com o sustento (os búfalos) dos povos indígenas e destruíam a natureza em busca de ouro.
Fato: boa parte das vezes, o cinema reproduz valores sobre os quais não refletimos e que nem sempre são assim tão claros e verdadeiros como apresentados. Mas nada impede que a gente se divirta e torça pelos “mocinhos”, desde que tenhamos em mente que a verdade, a liberdade, a democracia, a justiça são conceitos muito mais amplos e complexos, e que nossos super-heróis são fruto muitas vezes de momentos históricos específicos – como o Capitão América, símbolo dos EUA e nitidamente criado para elevar a moral das tropas durante a Segunda Guerra Mundial.

Muita gente já anda se cansando dos filmes de super-heróis, um gênero que os americanos ressuscitaram com toda força a partir do atentado de 2001 às torres gêmeas, numa espécie de “superação” de sua vulnerabilidade. Têm lá sua razão. Mas a maioria do público (na qual me incluo) ainda vê espaço para os admiradores das HQs de nossa infância/adolescência. Então, críticas à parte, vamos ao cinema nos divertir, como “filhos dos quadrinhos” que somos!





Vilma Pavani é jornalista formada pela ECA-USP, tem 65 anos e gosta de cinema desde criancinha. Tanto assim que mesmo tendo atuado boa parte da carreira na área de jornalismo econômico, deu aula de História do Cinema , durante alguns anos , no IED- Instituto Europeo di Design. Odeia barulho de pipoca e gente que conversa no meio do filme, pois entende que no cinema e na ópera não se deve dar um pio.

Os antigos vampiros modernos de Amantes Eternos

Por Dora Carvalho

Christopher Marlowe, dramaturgo britânico, nascido há mais de 450 anos, e um dos mais importantes escritores da época de William Shakespeare, circula sorrateiramente, em pleno 2013, em becos e ruas de Tânger no Marrocos.  Ele fornece de forma escusa a mais fina iguaria desejada pelos seres da noite Adam e Eve, um casal de vampiros seculares desesperadamente românticos. Adam (Tom Hiddlestone) é guitarrista, produz música apenas para si mesmo e é avesso ao sucesso. Passa o dia em um apartamento fechado em Detroit, com a companhia apenas de fotos de Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Jane Austen, Oscar Wilde e de escritores de mais de dois séculos. É colecionador de guitarras antigas. Mas sua aversão à fama não impede que curiosos venham pertubá-lo em sua reclusão. Eve (Tilda Swinton) vive em Tânger e circula com edições antiquíssimas de livros nas mãos, dentre elas, Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Até que ela decide rever seu amor de mais de 200 anos na decadente e quase destruída Detroit.
Mas o que há de empolgante nessa trama produzida pelo diretor Jim Jarmusch? Nada e ao mesmo tempo tudo. O filme corre deliciosamente devagar, de forma hipnótica, dando a oportunidade para aproveitar os diálogos cheios de referências irônicas – Marlowe (John Hurt) acusa Shakespeare de ser um impostor e que ele sim é um grande escritor (na realidade esse tema é bastante polêmico entre os estudiosos de Shakespeare e Marlowe – há intrigantes similaridades nas obras dos dois escritores). A trilha sonora, com guitarras arrastadas e dissonantes, misturadas ao som de típicos cânticos e instrumentos árabes, dão o ritmo aos elegantes, graciosos e melancólicos movimentos dos vampiros. Logo na abertura, uma inebriante versão para Funnel of love de Wanda Jackson.
 O título em inglês “Only lovers left alive oferece muito mais sobre o espírito do enredo, principalmente ao final da trama. Não foi feito para ter uma continuação, mas bem que merecia. Se antes parecia não haver sentido em ver Jarmusch de Flores Partidas (2005) e Sobre café e cigarros (2002) dirigindo um filme sobre vampiros, ao final da trama, é simplesmente perfeito. Só ele poderia dar o tão necessário ar cult e a elegância inerente a esses seres míticos.

Sobre o filme:
Amantes Eternos (2013)
Direção: Jim Jarmusch
Atores: John Hurt, Tilda Swinton, Tom Hiddlestone e Mia Wasikowska
Trilha sonora: Projeto SQRL de Jim Jarmusch e Jozef Van Wissem





quarta-feira, 13 de maio de 2015

Estreia: +Cinelivre

Por Dora Carvalho

Passeio na minha infância era sinônimo de ir ao antigo Cine Majestic, na rua Augusta, região central de São Paulo. Hoje, no local, fica o Espaço Itaú de Cinema. Quando já tinha idade para entender alguma coisa, minha mãe, que trabalhou no local por muitos anos, me levava para assistir os filmes da categoria "cinelivre" ou "fitalivre", ou seja, classificação indicativa livre, no jargão de quem trabalhava em salas de cinema. Daí o nome do blog.
Mas é +Cinelivre para falar de produções para a tela grande, TV e telinhas de tablet e celular, já que as veiculações via streaming ganham cada vez mais espaço e audiência nessas plataformas. Falar de adaptações de livros, quadrinhos e internet... Mas antes de tudo: vamos nos divertir!