Por Vilma Pavani
Quem é que não gosta de gibi? Desde os mais velhos até as
crianças de hoje, todos têm seus heróis ou mesmo anti-heróis
prediletos. Verdade que atualmente muitas vezes os heróis das HQs se misturam
aos personagens dos videogames, que de certa forma são substitutos digitais dos
bons e velhos gibis. A magia também passou para os filmes e não é a toa que as
franquias da Marvel fazem tanto sucesso nos cinemas, entre adultos e pequenos.
Qualquer um que tenha visto filmes como Thor, Homem de Ferro,
X-Men, Hulk ou Vingadores entra em contato com um mundo onde Bem e Mal são
superdefinidos e no qual os “mocinhos” sempre vencem. Evidentemente, isso
satisfaz nossas necessidades de justiça, verdade, amizade, solidariedade etc.
Por exemplo, no momento está nas telas do cinema “Vingadores: Era de
Ultron”. Na trama, Tony
Stark, o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), tenta colocar em ação um programa de paz virtual, mas coisas
desandam e o destino do planeta Terra corre risco. E quando o vilão
Ultron (feito pelo ótimo James Spader) entra em ação, os Vingadores
(basicamente Thor, Capitão América, Hulk, Homem de Ferro, Arqueiro e Viúva
Negra) precisam unir-se e impedi-lo de concluir seus planos terríveis.
Bem, embora o filme em si seja quase uma reflexão sobre a
consciência de si e do mundo, é interessante observar que nossos heróis, por
mais que falem sobre liberdade e democracia, buscam preservar o mundo como ele
está (como se estivesse tudo bem...). E sempre defendem o conceito americano de
“mundo livre”, (ainda que isso implique intervir diretamente nos outros
países). Claro que estamos fazendo apenas uma digressão, até porque é
impossível não torcer pela vitória dos “mocinhos” .
Lembro um comentário do teatrólogo (de esquerda) Bertold Brecht
sobre o filme Gunga Din (de 1939), em que o personagem é um aguadeiro indiano que apoia as forças de
ocupação britânicas e sonha ser corneteiro. Brecht disse em artigo que em vez
de herói, numa leitura não-colonizadora, Gunga Din seria visto como um traidor
do seu povo – mas reconhece que a força artística do filme o fazia
torcer descaradamente (termos meus) pelo triste e simplório personagem. Mais
tarde, fenômeno semelhante aconteceria com os indígenas americanos contra John
Wayne: quem de nós não torcia pela chegada da cavalaria para acabar com os
índios selvagens que massacravam os corajosos colonos? Nunca
considerávamos que estes sim eram os invasores, que acabavam com o sustento (os
búfalos) dos povos indígenas e destruíam a natureza em busca de ouro.
Fato: boa parte das vezes, o cinema reproduz valores sobre os
quais não refletimos e que nem sempre são assim tão claros e verdadeiros como
apresentados. Mas nada impede que a gente se divirta e torça pelos “mocinhos”,
desde que tenhamos em mente que a verdade, a liberdade, a democracia, a justiça
são conceitos muito mais amplos e complexos, e que nossos super-heróis são
fruto muitas vezes de momentos históricos específicos – como o Capitão América,
símbolo dos EUA e nitidamente criado para elevar a moral das tropas durante a
Segunda Guerra Mundial.
Muita gente já anda se cansando dos filmes de super-heróis, um
gênero que os americanos ressuscitaram com toda força a partir do atentado de
2001 às torres gêmeas, numa espécie de “superação” de sua vulnerabilidade. Têm
lá sua razão. Mas a maioria do público (na qual me incluo) ainda vê espaço para
os admiradores das HQs de nossa infância/adolescência. Então, críticas à
parte, vamos ao cinema nos divertir, como “filhos dos quadrinhos”
que somos!
Vilma Pavani é jornalista formada pela ECA-USP, tem 65 anos e gosta de cinema desde criancinha. Tanto assim que mesmo tendo atuado boa parte da carreira na área de jornalismo econômico, deu aula de História do Cinema , durante alguns anos , no IED- Instituto Europeo di Design. Odeia barulho de pipoca e gente que conversa no meio do filme, pois entende que no cinema e na ópera não se deve dar um pio.
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