sexta-feira, 3 de julho de 2015

Grace and Frankie: Vida madura

Por Vilma Pavani

Nos velhos tempos da ditadura (que hoje parecem tão bons para alguns, mas era um horror para quem tinha cérebro) todo tipo de discussão no cinema sofria censura. Chegou uma hora em que os diretores e atores nacionais  não conseguiam trabalhar ou terminar nada por conta disso e perceberam que o jeito de sobreviver era fazer filminhos simples, comédias sem pretensão, mas com uma certa dose de sexo, pelo menos para atrair público. Nascia aí um gênero (nos anos 70) que durou cerca de 15 anos, até a volta da democracia: a pornochanchada, mistura das ingênuas chanchadas da Atlântida dos anos 30 a 60, com os chamados “filmes da boca do lixo”, que exploravam o erotismo até a beira da pornografia.
É interessante que os zelosos censores não permitiam qualquer cena que lembrasse uma greve ou crítica a militares, por exemplo, mas achavam normal apresentar mulheres seminuas, tarados, adúlteros etc. Parte dos setores mais conservadores também reclamavam da pornochanchada, mas provavelmente a preferiam ao cinema politizado. Nesses filmes, invariavelmente, personagens velhos, gays, feios ou gordos eram ridicularizados. Verdade que isso não mudou tanto: até hoje, pouco se fez no cinema brasileiro e mundial para mostrar que existe vida além da juventude, da magreza ou de outros estereótipos hollywoodianos. Mas também é inegável que houve avanços.
Vamos ficar aqui com os personagens idosos. Todo mundo sabe (ou devia saber) que atores e atrizes, mesmo os de primeiro time, não podem envelhecer, sob pena de ficar sem papéis relevantes – uma realidade que é mais sentida nos Estados Unidos. No máximo, conseguem interpretar personagens à beira da morte, senis ou fazer uma pontinha como “avô da noiva”, o “tio chato” de algum adolescente, coisas do gênero. Sexo na terceira idade, então, nem pensar. A não ser que seja para ser tratado  como o velhote pervertido ou a mulher idosa que sustenta algum salafrário.
Portanto, é uma grata surpresa assistir ao seriado americano “Grace and Frankie”, produzido pela Netflix e criado por Marta Kauffman, roteirista que marcou uma geração de espectadores com "Friends" (1994-2004). Naquela época, Kauffman falava da geração dos 25 aos 35 anos. Agora, ela aborda as relações entre pessoas na faixa dos 70 anos, de maneira divertida, mas sem ser “bobinha”. O quarteto central é composto por Jane Fonda (77 anos), Lily Tomlin (75) Martin Sheen (74) e Sam Waterston (74). Também foge do politicamente correto: Lily, que faz uma eterna hippie, fuma maconha descaradamente, e o primeiro capítulo da série mostra Sheen (Robert) e Sam ( Sol) pedindo divórcio às protagonistas e se beijando,  ao assumirem que são gays. Quando Grace pergunta porque demoraram tanto a  sair do armário, Robert explica: porque agora podem se casar.
As diferenças entre os personagens (Grace, chiquérrima e sofisticada, é o oposto de Frankie, com suas roupas ripongas, seus produtos naturais, sua ioga, e Robert faz o contraponto descolado para o tímido Sol) são o sal da comédia. E o núcleo familiar e de amizades também se destacam, garantindo boas risadas e alguma reflexão sobre sexo, drogas, hábitos e as dificuldades de se retomar a vida após o divórcio. 
Os mal humorados certamente vão dizer que o drama é superficial, mas acredito que só de ver na tela personagens que passam longe da obsessão pela juventude eterna já vale a pena. É bom para os mais velhos, que se vêm retratados como pessoas que têm vida “normal”  e para os mais novos, que podem olhar para seus avós, pais, professores, como gente com os mesmos anseios que eles.




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