Por Dora Carvalho
Algumas
histórias da vida real são tão incríveis que, ao se confrontar com autores
sensíveis à beleza do dia a dia, tornam-se narrativas que mesclam verdade e
ficção sem, no entanto, conseguirmos saber onde está uma coisa ou outra. O
escritor e dramaturgo britânico Alan Bennet se deparou com esse desafio. E é
disso que trata o filme A senhora da van (2015), baseado em livro homônino do
autor e também roteirizado por ele.
Bennet,
interpretado pelo excelente Alex Jennings (Babel, 2006), se muda para o bairro
londrino de Camden Town, quando a região emerge como um local de classe média
e artistas começam a ocupar as antigas casas construídas para operários da
época vitoriana. Os vizinhos, orgulhosos de uma vizinhança próspera, não querem
se deparar com um problema que todos os dias bate à porta: a pobreza. A
situação é personificada por Mary Shepherd (Maggie Smith), uma senhora idosa
pobre que vive em uma van e que de tempos em tempos estaciona o veículo na
porta de alguém, fugindo das autoridades de controle de tráfego da cidade.
Mas o que
ninguém sabe e é aí que tudo parece uma grande obra de ficção, apesar de real,
é o que está por trás da atitude obstinada da personagem em se manter na rua,
apesar do frio e das péssimas condições de sobrevivência. O assunto é
espinhoso, mas o filme, em uma narrativa de metalinguagem – o espectador nunca
sabe o que é realidade e imaginação - dá conta de apresentar a história
devagar, revelando aos poucos o passado da senhora da van, como todos a chamam
no bairro. As surpresas no enredo vão acontecendo sem que o espectador fique
tendo sobressaltos.
Quem está
acostumado com toda a fleuma de Maggie Smith em Downton Abbey vai se divertir
vendo a atriz interpretando uma moradora de rua. A interpretação é tão
maravilhosa que até esquecemos de Lady Grantham do seriado, justo o que esperamos
de uma ótima atriz como a dama do teatro britânico.
Vale
destacar que o filme dirigido por Nicholas Hytner e produzido pela BBC Films é,
sem dúvida, mais um daqueles para a lista dos melhores longas britânicos, que
primam pela originalidade e sensibilidade para recontar situações inusitadas da
vida diária que mais parecem ficção. Nesta lista, relembro aqui Garotas do
Calendário (2003) e Ou tudo ou nada (1997), quando personagens que poderiam ser
amigos nossos se deparam com situações que ultrapassam os limites do razoável,
obrigando-as a tomar decisões que, à primeira vista, parecem estapafúrdias, mas
que subvertem a ordem e o senso comum de forma positiva.
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