domingo, 22 de maio de 2016

A senhora da van: vida real e imaginação

Por Dora Carvalho

Algumas histórias da vida real são tão incríveis que, ao se confrontar com autores sensíveis à beleza do dia a dia, tornam-se narrativas que mesclam verdade e ficção sem, no entanto, conseguirmos saber onde está uma coisa ou outra. O escritor e dramaturgo britânico Alan Bennet se deparou com esse desafio. E é disso que trata o filme A senhora da van (2015), baseado em livro homônino do autor e também roteirizado por ele. 
Bennet, interpretado pelo excelente Alex Jennings (Babel, 2006), se muda para o bairro londrino de Camden Town, quando a região emerge como um local de classe média e artistas começam a ocupar as antigas casas construídas para operários da época vitoriana. Os vizinhos, orgulhosos de uma vizinhança próspera, não querem se deparar com um problema que todos os dias bate à porta: a pobreza. A situação é personificada por Mary Shepherd (Maggie Smith), uma senhora idosa pobre que vive em uma van e que de tempos em tempos estaciona o veículo na porta de alguém, fugindo das autoridades de controle de tráfego da cidade.
Mas o que ninguém sabe e é aí que tudo parece uma grande obra de ficção, apesar de real, é o que está por trás da atitude obstinada da personagem em se manter na rua, apesar do frio e das péssimas condições de sobrevivência. O assunto é espinhoso, mas o filme, em uma narrativa de metalinguagem – o espectador nunca sabe o que é realidade e imaginação - dá conta de apresentar a história devagar, revelando aos poucos o passado da senhora da van, como todos a chamam no bairro. As surpresas no enredo vão acontecendo sem que o espectador fique tendo sobressaltos.
Quem está acostumado com toda a fleuma de Maggie Smith em Downton Abbey vai se divertir vendo a atriz interpretando uma moradora de rua. A interpretação é tão maravilhosa que até esquecemos de Lady Grantham do seriado, justo o que esperamos de uma ótima atriz como a dama do teatro britânico.

Vale destacar que o filme dirigido por Nicholas Hytner e produzido pela BBC Films é, sem dúvida, mais um daqueles para a lista dos melhores longas britânicos, que primam pela originalidade e sensibilidade para recontar situações inusitadas da vida diária que mais parecem ficção. Nesta lista, relembro aqui Garotas do Calendário (2003) e Ou tudo ou nada (1997), quando personagens que poderiam ser amigos nossos se deparam com situações que ultrapassam os limites do razoável, obrigando-as a tomar decisões que, à primeira vista, parecem estapafúrdias, mas que subvertem a ordem e o senso comum de forma positiva.




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