sábado, 30 de julho de 2016

Voando alto: inspiração olímpica

Por Dora Carvalho

Histórias de atletas olímpicos quase sempre podem render um filme. Drama, superação, conquistas, vitórias, fama, fracasso são elementos recorrentes no esporte e nas telas. Mas algumas são tão inusitadas que parecem sugerir o contrário. De fato aconteceram, mas soa mesmo como um enredo de cinema.
A vida do esquiador Eddie Edwards ou Eddie The Eagle, como o atleta ficou conhecido nos jogos olímpicos de inverno de 1988, é uma dessas histórias cheias de reviravoltas e que começou com um sonho de menino de ser atleta olímpico e ganhar uma medalha. E acabou virando agora o filme Voando Alto. A infância cheia de limitações para andar por causa de problemas nos joelhos não desanimou o garoto do interior da Inglaterra que sonhava em carregar o símbolo dourado no peito. Só uma lembrança: os mesmos jogos de 1988 também renderam o filme Jamaica Abaixo de Zero (1993).
O ator Taron Egerton (Kingsman/2015), de 26 anos, era um bebê quando Eddie The Eagle marcou o primeiro recorde britânico de salto em esqui em mais 50 anos. Mas a interpretação do artista é o que mais cativa em Voando Alto, terceiro filme dirigido por Dexter Fletcher. O roteiro é simples e pouco inovador para o gênero, mas conquistou a atenção dos atores Hugh Jackman, Christopher Walken, Jim Broadbent e Keith Allen, que fazem deliciosas participações no longa, principalmente na segunda parte do filme. Egerton se esforça e convence na pele do esquiador desajeitado, com óculos de grau de lentes grossas e trejeitos atrapalhados e pode agradar o público adolescente.
Jackman interpreta Bronson Peary, um esquiador decadente e bêbado, que vive isolado em uma estação de esqui na Alemanha. Walken faz uma minúscula participação, mas o suficiente para encantar, como sempre, com a elegância de um ator capaz de qualquer papel. O mesmo acontece com Jim Broadbent que, junto com o restante do elenco, faz uma cena ridícula e hilária ao mesmo tempo, mas que garante a diversão no ponto alto do longa.

O filme tem os clichês típicos de histórias de superação do cinema, inclusive com a trilha sonora anos 80, mas não importa. Tão próximos de ver os jogos olímpicos no Brasil, o que queremos mesmo é sorrir e nos emocionar. E Voando Alto consegue isso não só para quem gosta de esportes. O tom brincalhão que o roteirista Simon Kelton deu ao drama vivido por Eddie Edwards conquistou atores estrelados que toparam participar do drama biográfico e também pode agradar quem gosta de filmes para ver com a família.




sexta-feira, 22 de julho de 2016

Um homem entre gigantes: ciência e futebol americano

Por Dora Carvalho

Will Smith é levado pouco a sério no cinema americano. Talvez porque ao longo da carreira tenha feito papéis cômicos que não exigiram muita intensidade dramática ou ainda por ser considerado um ator de blockbusters, já que a arrecadação total dos filmes do artista atingiram um total de US$ 6 bilhões, segundo a Forbes, que o considera um dos rostos mais rentáveis do show business. E ainda para piorar, dentre as indicações a prêmios, ganhou três vezes o Framboesa de Ouro, uma paródia do Oscar que destaca as piores atuações e filmes.
O carisma de Smith, entretanto, sempre o ajuda a se renovar. E não foi diferente no longa Um homem entre gigantes (Concussion/2015), dirigido por Peter Landesman, diretor que vem se especializando em roteirizar e adaptar para o cinema histórias verídicas, como é o caso deste longa.
Smith vive o médico neuropatologista forense Bennet Omalu, um imigrante nigeriano que pesquisa nos Estados Unidos sobre as causas de mortes no centro de autópsias de Pittsburg. Omalu tem um jeito peculiar de analisar os casos, fato que causa certa irritação entre os colegas. Em uma de suas pesquisas, depara-se com a morte abrupta de um dos jogadores de futebol americano mais ilustres da cidade. A partir daí, faz a descoberta de um trauma cerebral que acomete os esportistas em razão dos constantes e violentos choques em campo.
O ator se reinventou para o papel. Fala com sotaque nigeriano, tem trejeitos que nada lembram os maneirismos típicos dos filmes de comédia. O drama biográfico ajudou Smith a contar uma história de injustiças e que revela várias facetas: um médico que, apesar da quantidade de diplomas, por não ser americano, acaba sendo desacreditado; a busca incessante pela verdade por meio de pesquisas e comprovações científicas e a defesa incessante e sem escrúpulos de uma indústria esportiva que cada vez menos tem a ver com o esporte. O futebol americano está em busca de espetáculo e dos milionários contratos publicitários. Jogadores são apenas instrumentos para fazer dinheiro.
O filme é interessantíssimo do ponto de vista científico e apresenta como os avanços da medicina podem estar nos mínimos detalhes. Smith na pele do Dr. Omalu é convicente, sobretudo, porque nos apresenta a visão de alguém de fora dos Estados Unidos para com um esporte que, de tão naturalizado entre os americanos, é visto apenas como algo que inspira emoções e fanatismos. Poucos estão dispostos a ver que a violência e força excessiva em campo podem colocar vidas em risco, afinal, ninguém pode destruir o sonho americano.
O roteiro e direção são lineares e a história é apresentada devagar para que o espectador conheça as características do protagonista e da doença dos jogadores. O diretor teve o cuidado de poupar-nos de cenas chocantes de autópsias, priorizando a discussão científica, com explicações razoáveis, nem muito técnicas nem ingênuas. A história em si já é muito instigante. A emoção dos envolvidos e a gravidade da situação apresentada são os destaques.

Um homem entre gigantes é baseado em um artigo escrito por Jeanne Marie Laskas, publicado na revista GQ em 2009, sob o título de “Game Brain” e que causou grande comoção à epoca. A história depois virou livro. Fãs de esportes, sem dúvida, podem gostar do filme. É uma visão que tira do transe quase hipnótico provocado pelo espetáculo das partidas e faz enxergar o fator humano dentro de uma indústria bilionária.




domingo, 17 de julho de 2016

Stranger things: para fãs dos anos 80

Por Dora Carvalho

 A prova de que os anos 80 nunca saíram de moda e tem uma legião de fãs é que três décadas depois filmes, séries e novelas ganham remakes ou servem de inspiração para novas produções.
Quem não perdia um filme do Steven Spielberg ou as adaptações de livros de Stephen King vai identificar na recém-lançada série Stranger Things vários elementos da época. Dividida em oito capítulos, a produção é uma mistura de E.T, o Extra Terrestre (1982), Poltergeist (1982) e Goonies (1985), além de um toque de Contatos imediatos do terceiro grau (1977). Os irmãos Matt Duffer e Ross Duffer, conhecidos como The Duffer Brothers, assinam roteiro e direção em uma clara homenagem a Spielberg nesta produção original Netflix. Está tudo lá: ângulos de câmera, fotografia, ritmo do roteiro, estilo da trilha sonora, um dos destaques, já que relembra canções famosas do início dos anos 80.
O tipos de personagens também são bem do jeitão dos filmes de Spielberg daquele período: a mãe sofredora que cria os filhos sozinha aparece na pele de Joyce, vivida por Wynona Rider – atriz que despontou à epoca, mas não passou de uma promessa. David Harbour faz o xerife Hopper com tamanha perfeição que realmente parece saído diretamente de meados da década de 80.
Mas a grande atração são os meninos que fazem parte da turma de amigos formada por quatro garotos: Mike (Finn Wolfhard), Lucas (Caleb McLaughlin), Dustin (Gaten Matarazzo e Will (Noah Schnapp) que garantem a diversão para os telespectadores pré-adolescentes.
O mistério, os sustos, o terror meio tosco também estão presentes. Falar mais do que isso é spoiler. É legal ver a série relembrando tudo o que era febre nos anos 80. E reviver com as crianças de hoje o que era super divertido na nossa infância, como brincar de walkie-talkies.








sábado, 9 de julho de 2016

Whitechapel: imitações de crimes

Por Dora Carvalho

E se os crimes atuais fossem ecos do passado? E se a história mostrasse os caminhos das investigações? A ótima sacada da série Whitechapel é ter um roteiro baseado em crimes reais ocorridos no distrito londrino de mesmo nome ao longo dos últimos 200 anos.
O bairro é famoso desde o final do século 19, quando Jack, o Estripador cometeu o que se chama hoje de assassinatos em série e matou cinco mulheres de forma assustadora, provocando terror na população da época. O primeiro serial killer da história nunca foi descoberto. Em 2008, a série Whitechapel reconta esses crimes. O detetive Joseph Chandler, vivido pelo ator Rupert Penry-Jones, é um policial metódico e cheio de manias que precisa resolver um caso que corre sérios riscos de também ficar sem solução.
Whitechapel tem quatro temporadas. Cada uma delas desenvolve a ideia de que a história pode fornecer indícios de como descobrir o chamado “modus operandi” dos criminosos.
O trio de protagonistas tem, além de Penry-Jones, os divertidos atores Phil Davis, que faz o detetive Miles (excelente!), e Steve Pemberton como Edward Buchan, um guia turístico de roteiros de casos misteriosos,  obcecado por crimes não solucionados. O ritmo acelerado do roteiro e o humor britânico despertam o interesse desde o primeiro episódio. E a empatia com os atores seguram o telespectador, já que o destino de cada um fica em cheque ao longo dos episódios.
A série, embora tenha um início muito promissor, começa despretensiosa. E essa é a melhor qualidade da trama, que vai se desenvolvendo conforme as pesquisas históricas dos investigadores. É um enredo clássico de crimes. Bem próximo das narrativas de Arthur Conan Doyle ou Agatha Christie. Um assassinato é cometido e as pistas surgem aos poucos, mas de modo que confunde o espectador para segurar o suspense até a revelação final, bem no ritmo de thriller. O enredo, de maneira implícita, questiona ainda se o excesso de exposição midiática de crimes, tornando criminosos verdadeiras celebridades, não seria também uma forma de provocar ainda mais violência.
Em um mês de poucos lançamentos no cinema, a saída é aproveitar para ver seriados curtos como Whitechapel. A série está disponível apenas em DVDs importados ou pelo Netflix.





sexta-feira, 1 de julho de 2016

River: segure o fôlego e assista em maratona

Por Dora Carvalho

A série britânica River é daquelas de assistir de um só fôlego. É como um daqueles livros que só largamos após a última linha da história. A produção também é prova de que a TV, cada vez mais, consegue alcançar a literatura, não só pelo enredo, mas pelo que consegue provocar no espectador. A escolha de um ator com o brilhantismo de Stellan Skarsgård (Thor/Melancolia) indica que não há mais separação entre produções televisivas e cinema de altíssimo nível de qualidade. E os atores sabem muito bem disso e quem ganha somos nós.
Skarsgård é o policial John River, detetive da divisão de crimes violentos e homicídios da polícia londrina. Logo no início da trama comete um terrível erro. Todos que estão no entorno do personagem vão cobrar reparação, inclusive os mortos.
A chave da trama é apresentada para o público logo nos primeiros 20 minutos do episódio 1. A série tem seis capítulos de pouco mais de 50 minutos cada, com um ritmo que se desenrola sem a menor necessidade de pressa. É nítido que a atuação de Skarsgård contribui para o desenvolvimento do enredo. O ator praticamente faz com que o telespectador sinta o que ele está sentindo, característica principal de boas obras literárias. A série alcança esse triunfo sem a menor dificuldade, dada a qualidade também dos atores que estão no entorno do protagonista. Há um detalhe que parece pequeno à primeira vista, mas determinante para o envolvimento da audiência: os atores são comuns, sem maquiagem ou aparência impecável e heróica. Todos têm a expressão cansada e convicta de policiais exercendo o ofício madrugadas adentro, com jeito de quem se alimenta apenas de comida ruim de fast-food e café de máquina. E é isso que nos faz ter grande identificação com os dramas apresentados, pois são pessoas como qualquer um de nós.
A série foi escrita por Abi Morgan, responsável também pela excelente The Hour. Prepara-se para diálogos impecáveis em densidade, clareza e referências a outras obras de cinema, TV, literatura e música. É um flerte do noir com o sobrenatural. A produção é da BBC One e veiculada internacionalmente pelo Netflix.
River tem começo, meio e fim, porém, discussões suficientes para dar um certo “bug” cerebral. O mais importante é que ela permanece e perturba nossos pensamentos um bom tempo após o término. O enredo se fecha, mas, antes disso, o espectador já mergulhou na história e não tem mais como sair dela.