No que se
refere a séries, 2017 já vai começar muito bom. Logo no primeiro dia do ano,
vai ao ar a tão esperada quarta temporada de Sherlock. Ainda é difícil saber
quando chegará ao Brasil, mas o que se sabe é que o três episódios serão
intitulados como “The Six Thatchers”. As últimas entrevistas dos produtores e
atores indicam que os capítulos finais de uma das melhores adaptações já feitas
para as histórias de Sir Arthur Conan Doyle devem superar as expectativas.
Sherlock
ambienta no século 21 as famosas aventuras do famoso detetive britânico com uma
agilidade e sagacidade de roteiro poucas vezes vistas na televisão. A série
ainda tem à frente um dos melhores atores da atualidade. Benedict Cumberbatch
tem sido um fenômeno em todos os trabalhos em que atua e, sem dúvida, é o
principal responsável também pelo sucesso de Sherlock.
Desventuras
em série
É grande a
expectativa também em relação a estreia da adaptação para a telinha da saga dos
livros campeões mundiais de vendas “Desventuras em série”, do escritor Daniel
Handler e que já rendeu um longa estrelado por Jim Carrey em 2004. O ator Neil
Patrick Harris (de How I met your mother) personifica Conde Olaf, tio de
Violet, Klaus e Sunny Baudalaire, crianças orfãs obrigadas a ficar sob os
cuidados de um parente mal-intencionado, interessado apenas em colocar as mãos na
herança dos três. A estreia é dia 13 de janeiro.
Punho de
Ferro e Os defensores
Quem é fã
de Demolidor, Jessica Jones e Luke Cage terá em 2017 uma super dose de super-heróis. O
Netflix promete a estreia de duas séries desse universo da Marvel. Em março, estreia Punho de Ferro, com 13 episódios que conta a história de Daniel Rand
(Finn Jones), um bilionário e monge budista com poderes especiais e mestre em
kung fu.
Já Os Defensores
deverá reunir todo o universo da Marvel já visto pelo serviço de streaming.
É típico do ser humano: sempre queremos heróis, aqueles que nos
dão esperança quando tudo parece perdido. Talvez por isso parte da crítica
tenha se decepcionado com o bom filme de Clinton Eastwood, “Sully - O Herói do
Rio Hudson”(aliás, apenas “Sully”, em inglês), já que o personagem verídico
- interpretado com a maior simplicidade e competência por Tom Hanks - passa
longe da imagem do sujeito valente que arrisca a vida para salvar o mundo.
Até porque o verdadeiro Sully Sullenberger era um piloto de 57 anos quando
"aterrissou" dentro do rio Hudson, em Nova York, com 150 passageiros
a bordo e mais quatro tripulantes, durante um voo doméstico, sem que ninguém
morresse. O avião tinha acabado de decolar quando colidiu com um bando de pássaros
e ficou sem os motores, precisando fazer uma aterrissagem de emergência.
Na época, trabalhando em um jornal, lembro de olhar incrédula
para as fotos do avião dentro do rio e das pessoas sendo recolhidas por equipes
de resgate. Não me lembrava do rosto do piloto e do co-piloto, nem acompanhei
as discussões posteriores sobre se eles poderiam ter pousado em algum aeroporto
próximo, o que com certeza invalidaria o mérito do nosso "herói".
Bem, no cinema tive a chance, que todos podem ter, de saber como tudo aconteceu
de fato.Clint Eastwood continua um diretor de olhar
afiado sobre as pequenas grandes coisas que caracterizam o ser humano. E mostra
como um homem comum, ao ter de tomar uma decisão crucial, precisa contar com a
experiência acumulada e arcar com as consequências de seus gestos. No filme, o
incidente com o avião, por mais impressionante que seja, não é o essencial, mas
sim a maneira como Sully lida com o problema e com as dúvidas que cercam sua
atitude. Pois não bastava ter salvo a vida de todas as pessoas a bordo, ainda
teve de defender sua posição. E é aí que o filme “pega”. Por exemplo, quando o
confrontam sobre o critério usado para a decisão de pousar no rio, ele diz algo
como "meus 40 anos de experiência” (Sully voava desde os 16 anos). Ou
seja, não se trata apenas de coragem e nem mesmo de competência: decisões
tomadas em momentos difíceis são fruto, também, das experiências, erros e
acertos acontecidos ao longo do tempo.
Clint, como sempre, sabe do que fala. E Tom Hanks é um ator perfeito para o
papel. Contido, distante de estrelismos, do histrionismo e do glamour aos quais
é tão fácil a um ator de Hollywood se entregar, Hanks torna seu personagem
absolutamente crível. Como seu personagem, ele é um cara fazendo seu trabalho
da melhor maneira possível.
Não é um filme feito para ganhar Oscar, nem mesmo um grande filme. Mas é feito
por gente inteligente, para ser assistido por quem gosta de pensar sobre o que
faz um ser humano comum na hora em que tem de tomar uma atitude incomum.
Sem muito
alarde inicial, o filme A chegada, dirigido por Denis Villeneuve, é, sem
dúvida, uma das grandes surpresas do ano do gênero ficção científica.
Roteiro, ritmo, fotografia, direção de atores e, sobretudo, a interpretação de
Amy Adams, que protagoniza o filme na pele de uma especialista em linguística,
constroem um novo tipo de sci-fi para a tela grande. Há todos os elementos de mistério de uma narrativa típica do gênero: alienígenas chegam a Terra sem barulho, sem
ameaças, em 12 casulos que pairam no ar em 12 locais diferentes do planeta,
gerando pânico, declarações de guerra e a iminência de um conflito global. Tudo
isso simplesmente porque ninguém entende o porquê da presença dessas criaturas.
A dra. Louise
Banks, vivida por Amy Adams, é uma das poucas capazes de construir pontes
linguísticas que iniciam um processo de interação com os estranhos seres. A
beleza do filme e do roteiro está na maneira como é feita essa construção.
Villeneuve e o roteirista Eric Heisserer criam então um enredo de ficção
científica que trata do que nos faz essencialmente humanos, sobre as incertezas
em relação ao tempo que temos neste planeta e sobre uma contagem de tempo não
linear. A maneira como expressamos ideias, sentimentos, sonhamos e percebemos o
mundo é colocada em uma perspectiva de reaprendizado, afinal, como nos
apresentaríamos para uma criatura de outro planeta? Como uma criança percebe o
mundo?
O filme é
baseado no conto de Ted Chiang, que tem como título original “Story of your
life”. O ponto de partida a hipótese de Sapir-Whorf que, resumidamente, indica
que a linguagem que usamos determina a maneira como pensamos.
O filme A
chegada tem ainda Jeremy Renner e Forrest Whitaker. Embora estejam bem em seus
papéis, o foco é na personagem de Amy Adams, que faz com que o espectador
participe da história por meio de suas descobertas e leva quem assiste a sentir
todo o processo de descoberta que a personagem está passando. Há muitas
comparações sendo feitas com outras referências no gênero: 2001 – uma odisseia
no espaço (Stanley Kubrick), Interestelar (Christopher Nolan), A árvore da vida
(Terrence Malick) etc. A chegada é singular na maneira como humaniza as
questões científicas mais básicas, como as dúvidas em relação a espaço-tempo, o
quanto uma civilização pode alcançar em termos tecnológicos e a capacidade
humana de lidar com os avanços do conhecimento sem criar uma corrida
armamentista. É um roteiro que está muito mais para Isaac Asimov do que para
possíveis homenagens a outros cineastas, é muito mais literário nas questões
que aborda do que em termos de pretensão visual, embora seja um filme
belíssimo. É uma narrativa simples, de entretenimento, mas que eleva a ficção
científica a um patamar diferente, capaz de agradar tanto fãs do gênero quanto
a desavisados ou quem está apenas em busca de uma história bem contada.
O homem que
viu o infinito
Srinivasa
Alyangar Ramanujan foi uma matemático indiano que, após uma infância difícil em
Madras, na Índia, teve a oportunidade de apresentar a genialidade das
descobertas que fez na Matemática na Universidade de Cambridge, Inglaterra, no
período da Primeira Guerra Mundial. Desacreditado por outros acadêmicos por não
ter uma formação convencional, foi obrigado a ultrapassar o preconceito e as
formalidades acadêmicas para provar as teorias numéricas, séries infinitas,
frações, dentre outras descobertas.
O filme de
Matthew Brown – O homem que viu o infinito – é a bela cinebiografia do
matemático indiano, interpretado pelo carismático Dev Patel. O ator faz uma
fabulosa parceria com Jeremy Irons no longa, que vive o acadêmico Godfrey
Harold Hardy, um defensor da beleza estética da matemática pura. O destaque do
filme é sem dúvida as descobertas do protagonista, porém, o contexto social da
época assim como as diferenças culturais, que determinam a maneira como se
constrói conhecimento científico, é apresentado por meio das interpretações de
Patel e Irons – um é jovem e entusiasta da difusão do conhecimento puro e
simples, enquanto o professor mais velho fica entre a necessidade de inovação e o rigor da academia. O filme ficou em cartaz apenas no mês de outubro nos cinemas, mas acaba de ser lançado no Netflix.
O universo
criado pela escritora britânica J.K. Rowling é tão rico e extenso que não é
difícil imaginar uma série de livros e filmes para os próximos anos. O curioso
e positivo foi a escolha do personagem Newt Scamander para retomar o mundo
mágico dos bruxos. Quem leu os livros atentamente vai se lembrar que, embora
ele tenha sido citado em vários momentos na obra, não era um personagem que
saltava na trama. Era de se imaginar que outros personagens famosos como o
próprio Lorde Voldemort, o bruxo e diretor de Hogwarts Alvo Dumbledore ou ainda
os próprios pais de Harry Potter pudessem protagonizar alguma história. Mas
acho que está aí o acerto de J.K. Rowling. A criação de um novo roteiro baseado
em um personagem que não havia gerado tanta expectativa nos fãs foi uma aposta
certeira, porque só criou ainda mais curiosidade.
Outro ponto
importante é que essa escolha permite múltiplos cenários. A cidade de Nova York
dos anos 20 em pleno desenvolvimento econômico como ponto desencadeador dos
acontecimentos ajudou a gerar desdobramentos futuros que permitem a continuação
neste mesmo local ou ainda a aposta em uma época ou país diferente. Fica
provado em Animais fantásticos e onde habitam que as prometidas cinco
sequências para o longa podem render muitas surpresas. Os próprios animais e a
diversidade de criaturas, como os dragões, já renderiam boas histórias. Mas o
foco da trama parece ser o vilão Gellert Grindelwald, vivido nas telas por
Johnny Depp (perfeito!), que é citado de forma breve em Harry Potter e a Pedra
Filosofal e depois ganha mais peso em Harry Potter e as Relíquias da Morte. A
necessidade de o mundo bruxo ser escondido dos “trouxas”, ou seja, pessoas
comuns, sem características mágicas, entra em discussão, já que há aqueles que
sempre acreditaram em uma não separação entre bruxos e não-mágicos (a nova
denominação utilizada em Animais fantásticos e onde habitam). Por um bem maior,
os trouxas não podem saber da existência de poderes com os quais não sabem
lidar sob o risco de tentar utilizá-los de forma perigosa, como em guerras. Mas
há ainda aqueles que acreditam em uma união entre as pessoas, com a permissão
de casamentos e criação de famílias de trouxas e bruxos, o ponto mais polêmico
da discussão. Se antes a história girava em torno de um menino bruxo que
sobreviveu a um terrível ataque do Lorde das Trevas, desta vez, todo o universo
fantástico de J.K Rowling sustenta o enredo do mais novo longa e os próximos
que estão por vir.
Como
sempre, a escritora que também é produtora do filme, teve o cuidado extremo de
escolher cada detalhe, principalmente, os atores. Eddie Redmayne (ganhador do
Oscar pelo filme A teoria de tudo) foi uma escolha excelente. O ator, que já
vem provando ao público a versatilidade com que interpreta diversos tipos,
imprime um carisma ao personagem absolutamente diferente da impetuosidade de
Harry Potter, Hermione e Rony, mas é ao mesmo tempo alguém tímido e destemido
e, sobretudo, um apaixonado pelo mundo dos bichos, um cientista, um pesquisador
que tem muito a revelar ao mundo. É o personagem que se revela aos poucos, algo
que Redmayne faz com maestria. Eu não consigo deixar de relacionar a composição desse personagem com certas características de Hermione Granger, principalmente quando se fala da maleta mágica de Scamander.
A atriz Katherine
Waterston, que vive Porpetina Goldstein ou Tina Goldstein, teve boa harmonia
com Redmayne e, apesar de não ser tão conhecida da tela grande, provou ser a
melhor escolha, já que faz uma auror expulsa de uma divisão de investigações do
Ministério da Magia nos Estados Unidos, uma espécie de FBI bruxo.
Colin
Farrel faz Percival Graves, mas o que se pode dizer aqui sem dar nenhum spoiler
é que o personagem ajudar a entrelaçar a trama.
O lado
cômico ficou por conta do personagem Jacob Kowalski, vivido por Dan Fogler, que
faz um não-mágico e protagoniza as cenas mais divertidas da trama.
Queenie
Goldstein, a irmã de Tina, vivida pela atriz Alison Sudol, é o personagem que, por enquanto, promete ter
habilidades que podem render no futuro reviravoltas no enredo.
O filme é
realmente encantador, não penas pela trama que é simples, porém, cheia de
possibilidades, mas pelos lindos efeitos especiais e cenas de ação de arrepiar,
tamanha a veracidade. Ainda mais considerando que se trata do impossível. A
cena final é comovente: emoção e beleza em altas doses.
É possível
que Dr. Estranho, o mais novo longa da Marvel, seja um divisor de águas quando
se fala em filme de super-heróis. Caso se confirme e a expectativa de recordes
de bilheteria – e a estreia em 33 países já vem concretizando isso – o público
vai querer cada vez mais de roteiristas e diretores. Isso porque Dr. Estranho, e definitivamente por causa de Benedict Cumberbatch, está entre os melhores longas do
gênero da nova safra de adaptações de HQs
para o cinema.
A atuação
de Benedict Cumberbatch está simplesmente sensacional. O ator, que sem dúvida
nenhuma é um dos melhores da atualidade, dá um tom tão perfeito ao personagem,
com nuances que vão da extrema arrogância ao mais miserável dos seres, e ainda
com a energia e força esperada de um super-herói, que produtores vão ter de
pensar mais antes de selecionar novos protagonistas para encarnar essas
criaturas fora do comum.
Cumberbatch
é a personificação do Doutor Stephen Vincent Strange, personagem criado pelor
Stan Lee e Steve Ditko nos anos 60, e um dos mais interessantes do universo
Marvel. Dr. Estranho se utiliza da extrema inteligência e de características
místicas para combater criaturas do mal. Além do fato de o personagem ser muito
bem construído nos HQs, Cumberbatch foi capaz de dar as nuances necessárias
para a complexidade do médico que se achava uma espécie de deus e perde a
capacidade de fazer cirurgias após um grave acidente.
As
características do personagem e o universo criado pelos quadrinhos foram muito
bem utilizados pelos roteiristas Scott Derrickson e Robert Cargill. Derrickson
também dirige o longa e, talvez pelo fato de ter a liberdade de direção e
roteiro, conseguiu executá-lo com maestria, dando a necessária liberdade para o
elenco estrelado atuar.
O filme tem
ainda as presenças dos excelentes Mads Mikkelsen, que faz o vilão Kaecilius, e
da incrível Tilda Swinton, a Anciã, que orbitam harmoniosamente em torno de Cumberbatch, um
enriquecendo a atuação de outro. Esse é um dos pontos em que o longa Dr. Estranho
se diferencia de outros filmes da Marvel. A escolha de atores do quilate de
Mikkelsen, Swinton, Cumberbatch, Chiwetel Ejiofor, que tem uma papel crucial na
trama, deixa o filme redondo, harmonioso, sem pontas soltas. Além disso, o
roteiro usa e abusa das possibilidades místicas oferecidas por toda a
simbologia exercida pelas religiões do Oriente. O filme ainda tem a qualidade
de acelerar a história da formação e conversão do personagem principal indo
direto para o que interessa – ao território desconhecido e intrigante da
cultura oriental, com cenas mirabolantes e inacreditáveis na cidade de
Katmandu, no Nepal. Mandalas começam a girar vertiginosamente levando o espectador para um mundo mágico e transcendente, onde a matéria se desfaz em minúsculas
partículas para se refazer em multiversos. Os efeitos gráficos e especiais são
tão bem executados que não cansam, tamanha beleza, remetendo muitas
vezes ao infinito das obras do artista gráfico holandês M.C. Escher, onde as
figuras e os espaços não têm começo e nem fim.
E ainda
para arrematar esse contexto uma trilha sonora arrasadora, em que a sonoplastia
é permeada com um som de cravo para dar uma sonoridade de outro mundo. E, como
senão bastasse tanta beleza visual, Interestellar Overdrive do Pink Floyd nos
encanta e nos mergulha em um mundo surreal, psicodélico e fantástico.
A série de
livros Outlander, ou A viajante do tempo, começou a ser escrita em 1988 de
forma bastante despretensiosa, segundo a autora norte-americana Diana Gabaldon.
Acabou se tornando uma super saga de oito volumes e, só recentemente, em 2014,
ganhou as telinhas do canal Starz, dos Estados Unidos, com expressivo sucesso
de crítica e público já no episódio-piloto. Tanto que os produtores, ainda no
início da exibição dos primeiros 16 capítulos, decidiram renovar para a segunda
temporada e, neste ano, mais duas sequências já foram confirmadas. Então, pelo
menos até a quarta temporada o show está garantido. Aqui no Brasil, finalmente
chegou ao Netflix, para alegria dos fãs dos livros, o que pode garantir novos
episódios no serviço de streaming.
Diana
Gabaldon está bem próxima da produção, oferecendo consultoria para os
roteiristas. A primeira temporada tem episódios com a supervisão de Ronald D.
Moore, criador da série para a TV. A escritora fez uma breve participação em
uma cena do quarto episódio - “The Gathering”, como a personagem Iona McTavish.
Esse
trabalho próximo da autora na adaptação da série para a TV garantiu muita
precisão na escolha dos atores. O personagem de Jamie Fraser, vivido na telinha
pelo ator escocês Sam Heughan, é a personificação de um montanhês do século 18.
Além da caracterização, demonstra estar muito à vontade ao falar gaélico
escocês. Caitriona Balfe, que faz a protagonista Claire, se entregou de tal
forma ao papel que arrisco dizer que parece melhor do que a personagem do
livro, descrita com personalidade um pouco mais hesitante no texto de Diana
Gabaldon. A atriz deu nuances diferentes à personagem que, apesar de se deparar
com a violência e os costumes de uma outra época, se apresenta de uma maneira
mais convincente diante das dificuldades para alguém que viaja 200 anos na
história e se depara com um tempo de violência e instabilidade política entre
os escoceses e ingleses. Claire também precisa lidar com uma época em que era
esperado das mulheres uma obediência cega aos maridos e, sendo alguém do futuro
e com o conhecimento de fatos históricos, se utiliza de muito tato para não
interferir no curso dos acontecimentos mais do que é necessário. Essa é a graça
da maioria dos enredos que envolvem viagem no tempo: o fato de uma intervenção
no passado mudar as circunstâncias futuras é o maior dilema dessas tramas,
afinal, alguns personagem poderiam até deixar de existir. Então, o autor sempre
consegue deixar quem lê ou assiste em constante estado de suspense. O
leitor/espectador apenas ilusoriamente sabe o que vai acontecer no futuro.
Na
adaptação para a TV não é diferente. Mas o roteiro da série buscou elementos
que fizeram sucesso em tramas como Guerra dos Tronos e não poupa o espectador
de cenas fortes de violência e crueldade. Curiosamente, a série caiu no gosto
do público feminino no exterior e isso foi atribuído à força da atriz Caitriona
Balfe e também de Sam Heughan, que formam o par romântico da trama e estão
absolutamente entregues aos respectivos papéis, sobretudo, nas cenas mais
quentes.
A recriação
das Terras Altas escocesas e os costumes dos antigos clãs são impecáveis. Quem
gosta de narrativas históricas poderá ver algo que pouco é retratado no cinema
e TV: personagens falando em inglês antigo e no idioma da época (no caso é o
gaélico escocês) e vestimentas que destacam com exatidão a posição dos
integrantes daquele tipo de sociedade. Uma curiosidade: a série destaca objetos
da época, como o fato de padronagem do xadrez dos tecidos indicar o clã ao qual
uma família pertence, assim como os broches que os prendem ao corpo de homens e
mulheres.
Livro e
série contam a história do início da decadência desse estilo de vida e como os
acontecimentos se desenrolaram nas Highlands. Antes essa região era isolada e tinha certa independência de costumes, mas precisavam se sujeitar à coroa inglesa.
Com a queda dos clãs, a força política do centro do governo britânico
prevalesceu. Isso é até hoje motivo de discussão. Não à toa, a Escócia fez
recentemente um plebiscito para decidir se permanecia ou não como país ligado
ao Reino Unido ou independente. A permanência ganhou por pouco.
O toque de
fantasia do enredo da saga Outlander também é recheado de lendas celtas, a
começar pelo início da narrativa, já que a protagonista atravessa uma espécie
de portal do tempo em um antigo círculo de pedras. Aos poucos, os personagens
vão revelando toda a mística em torno desses locais assim como os rituais
druidas. Essa mescla de história, folclore, paisagens idílicas das Highlands e
personagens muito intensos tornam a série Outlander singular. São tantos
detalhes e ações, que é preciso assistir devagar para aproveitar. Já vi duas
vezes e, como sempre acontece, na segunda pude absorver muito mais detalhes e
perceber o capricho da produção e como as descrições do livro foram bem
aproveitadas. Há bastante independência do roteiro televisivo em relação ao livro, o que me parece ser bastante vantajoso para o desenrolar de novas temporadas.
Mas toda a riqueza de informações de livro e série deu origem a uma loja virtual em que
os fãs podem comprar produtos oficiais da série. E o site oficial tem muitas curiosidades: https://www.starz.com/series/outlander/episodes.
Agora é esperar que o Netflix
disponibilize logo a segunda temporada e torcer para que seja tão boa quanto a
primeira.
O filme O
contador tinha tudo para ser mais um longa de ação, tiros e pancadaria. Mas o
fato é que o roteiro é assinado pelo excelente Bill Dubuque (O juiz/2014), que vem
enfileirando um filme mais interessante que o outro e atraindo a atenção das
estrelas de Hollywood para longas que, de início, estão longe de ganhar os
holofotes, mas acabam se destacando justamente pelas tramas bem elaboradas. Ben
Affleck, por sua vez, também está em um ótimo momento da carreira e também vem
selecionando papéis que o desafiam como ator, ainda mais agora que pode ficar
estigmatizado como um Batman que ainda não mostrou muito a que veio.
O enredo de
O Contador conta a história de Christian Wolff, um menino com Síndrome de
Savant, com extrema habilidade mental para memorizar fatos e números, mas que
sofre com problemas de interação social. Filho de um militar rigoroso, o garoto
é treinado pelo pai para utilizar ao máximo as habilidades cerebrais e acaba se
tornando um contador a serviço de mafiosos, traficantes e empresários ligados a
atividades ilícitas.
Ben Affleck
convence no papel. E não é só porque há um ligeiro dejá-vu de Demolidor (2003).
Isso porque o roteiro o apresenta como uma espécie de super-herói disposto a
ajudar os outros com suas habilidades extremas. Entretanto, precisa manter a
identidade em segredo por estar sempre na berlinda entre o bem o mal. Além
disso, faz o tipo cara durão e bom de briga e, em alguns momentos, um cowboy
atirador. É uma mescla de diversas referências cinematográficas, com uma abordagem
psicológica, já que a força do personagem vem justamente das dificuldades
psíquicas enfrentadas. A trama reúne ainda J.K. Simmons (Ray) que faz um agente
do imposto de renda americano e Anna Kendrick (Dana), uma contadora. Os dois
personagens servem para nos mostrar os pontos de conexão da trama que vai
ocorrendo em separado ao longo do filme e a maneira como o personagem de
Affleck lida com as emoções e pessoas.
O que pode
incomodar alguns espectadores é o fato de o enredo não ser linear, o que faz a
trama perder um pouco o ritmo de ação e tornar alguns pontos um tanto confusos.
Mas, ao final, essas aparentes falhas de roteiro indicam um propósito
satisfatório. O enigma pode até ser decifrado um pouco antes por quem está mais
atento à história.
O diretor
Gavin O’Connor demonstra experiência à frente de filmes policiais, com cenas
bem feitas de luta, mas com clichês típicos de longas de ação. Isso não é ruim,
pois agrada o público em busca tiros e briga.
Se por um
lado o longa apresenta as imensas dificuldades vividas por alguém que possui
algum tipo de problema ligado ao autismo, por outro, demonstra que a sociedade
ainda não sabe lidar com a ideia de que o nível de inteligência de grande parte
da sociedade ainda não é calculado de uma maneira confiável ou adequada às
habilidades de cada um e que o ser normal está muito longe das estatísticas
consideradas oficiais. É um filme de pancadaria sim, mas também nos apresenta
uma mensagem importante sobre como estamos lidando com o que consideramos
diferente.
Apesar de o
roteiro ser bem engendrado, fica a impressão da necessidade de um novo filme
para explicar algumas características desenvolvidas pelo personagem. Se foi de
propósito ou não e se a ideia for tornar o filme uma franquia, ficou faltando
um pedaço da história de transformação do menino para o super-herói. O filme
surpreendeu em bilheteria nos Estados Unidos no final de semana de estreia.
Vamos aguardar se isso irá encorajar os produtores para uma continuação.
Após o
sucesso estrondoso em torno do livro O código Da Vinci, o escritor Dan Brown
manteve a fórmula nos romances seguintes, sempre embalando as estórias com
algum tipo de provocação a governos, corporações ou instituições religiosas. A
polêmica que gira em torno de suas últimas obras sempre é o termômetro para o
sucesso ou não das adaptações para o cinema. Mas tem outro fator que vem
estendendo a vida do personagem Robert Langdon nas telas: Tom Hanks.
Inferno, a
terceira adaptação para as telas de um livro de Dan Brown, apresenta mais um
caso a ser resolvido pelo professor de simbologia Robert Langdon que, desta
vez, precisa impedir que um grande mal se espalhe pelo planeta. O enredo
utiliza a simbologia do Inferno de Dante, tanto de A divina comédia de Dante
Alighieri, como a obra O abismo do inferno, do pintor renascentista Sandro
Botticelli, e leva o espectador a desvendar, junto com o personagem, os
caminhos que podem levar ao extermínio ou não da humanidade.
O filme é
bastante fiel ao livro, mas ganha em ritmo e velocidade, já que a estória de
Dan Brown tende a se arrastar em alguns momentos da trama. Mas o fato é que o
carisma de Tom Hanks vai levando o espectador pelo enredo e, mesmo com algumas
fantasias exageradas na adaptação para as telas, o carisma do ator pelo menos
nos leva a rir da situação. O roteiro, assinado por David Koepp, perde, porém,
em tirar do espectador o suspense que os livros de Dan Brown costuma imprimir
em seus enredos, fato que pode deixar muitos fãs do autor muito desapontados.
O longa é
bem melhor que Anjos e demônios (2009), que derrapou feio em bilheteria e foi
execrado pelos fãs de Dan Brown. Tanto que Inferno conseguiu no final de semana
de estreia melhor resultado em bilheteria até agora. Produtores e
distribuidores tiveram a esperteza de lançar o filme em um período de poucos destaques,
o que deve alavancar as vendas de ingressos. Ou deve ser Tom Hanks mesmo que
atrai fãs, seja como Forrest Gump, Capitão Philips ou Robert Langdon.
O ator
Colin Firth passeia pelo drama, comédia, ação, aventura com a mesma
desenvoltura e elegância dos atores de antigamente. Desde que atingiu o
estrelato no papel de Mark Darcy em O Diário de Bridget Jones, em 2001, não tem
um ano em que o ator não esteja estrelando um longa, seja um blockbuster ou uma
produção do circuito independente.
O fato é
que mesmo antes do estrelato, em 1995, na BBC, Firth já mostrava que a carreira
seria longa, após o sucesso como Mr. Darcy na série televisiva Orgulho e
Preconceito (1995). À
época, acabou sendo considerado a personificação perfeita do personagem do
romance de Jane Austen. Não à toa, quando o livro O diário de Bridget Jones foi
adaptado para a telona, logo o nome de Colin Firth veio à tona para interpretar
Mark Darcy ao lado da protagonista da história, já que o romance é uma versão
satírica de Helen Fielding para o clássico da literatura britânica. Bridget
Jones é uma anti-heróina dos nossos tempos que se apaixona pelo sisudo e rico
Mark Darcy, assim como Lizzy Bennet e Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito.
De lá para
cá, a comédia romântica é sucesso de público e ganha uma terceira história.
Desta vez, Bridget e Mark Darcy tem de lidar com uma gravidez não planejada e,
para piorar, a protagonista não faz a menor ideia de quem é o pai. O filme
tinha tudo para ser apenas uma esticada forçada no enredo que parecia já ter se
esgotado. Mas o talento dos atores, tanto de Renné Zwelleger como Colin Firth,
faz com que o filme renda um momento de entretenimento que vale à pena
aproveitar. É nítido que os atores estão se divertindo em cena, provando que
mesmo os mais talentosos podem se dar ao luxo de fazer um trabalho leve, para
entreter as massas, sem se preocupar com a crítica. O filme é divertido e
acerta em cheio ao tratar dos dramas das mulheres na faixa dos 40 anos, com bom
humor e de um jeito bem politicamente incorreto.
Já o filme
O mestre dos gênios (2016) traz Colin Firth em um drama biográfico. O ator vive
Maxwell Perkins, o famoso editor de escritores como Ernest Hemingway, F. Scott
Fitzgerald e Thomas Wolfe, vivido no longa com mais destaque por Jude Law. O
enredo apresenta a maneira peculiar com que Perkins editava os livros e sugere
que a grandeza das histórias desses autores estava na influência do
editor sobre o trabalho dos romancistas e funcionava como uma espécie de mentor
para eles. Foi Perkins que descobriu o talento desses artistas, quando ainda
eram completos desconhecidos. O filme se passa nos anos 30, com uma bela
recriação de época e um trabalho afinado do diretor de teatro Michael Grandage,
que está a frente de sua primeira produção para o cinema. O longa, que tem ainda Nicole Kidman, Laura Linney e Guy Pearce, deve estrear no final deste mês.
O cineasta
russo Alexander Sokúrov tem uma legítima preocupação com a História e, em
especial, com a arte que a permeia e representa. Ele já nos deu aArca Russa em 2002, quando o tema era
o Hermitage, o grande museu russo,e
agora nos traz Francofonia, o Louvre sob Ocupação, de 2015. Não se pode
classificá-lo totalmente: é ao mesmo tempo um filme, documentário,ficção, a visão pessoal de uma época e
uma temática. De certa forma, reescreve uma fase da história – a ocupação da
França pelos exércitos de Hitler, a partir das imagens do diretor em seu
escritório tentando contato com um navio que carrega inúmeras obras de arte, em
meio a um mar bravio, que não sabemos exatamente onde fica. A comunicação é
difícil e fragmentada, sendo difícil prever o que pode acontecer com o navio e
seu precioso carregamento. Até porque, sabe-se, uma das formas de se reduzir os
riscos de naufrágio é jogar a carga ao mar.A
tecnologia é insuficiente para conectar os personagens (diretor/capitão) com
segurança, assim como o destino das obras de arte (hoje ou em qualquer época)
está sujeito a uma série de variáveis históricas, geográficas, humanas, etc.
Seria possível salvar as obras e o navio? Não há resposta no filme – como não
há resposta para isso no mundo real, em que as guerras já causaram a perda de
tantas coisas belas – lembremos que recentemente talibãs destruíram sítios
arqueológicos de valor inestimável, por exemplo. E a qualquer momento, tudo
pode acontecer.
É um filme
nada fácil – Sokúrov nunca é fácil – e que exige do expectador uma ligação
direta com as angústias do diretor com relação ao passado/presente/futuro da
arte. No caso do Louvre, fica claro que a sintonia entre o invasor e o perdedor,
mesmo que nunca clara e transparente, foi necessária para a sobrevivência de
muitas das maiores obras de arte de todos os tempos, ameaçadas pelas botas da
soldadesca. O valor dado porSokúrov
à herança cultural é visível em cada detalhe e particularmentepela frase que o identifica: “O que
seria de mim se não conhecesse os olhos dos que vieram antes de mim?”.
Cores
saturadas, personagens que vagueiam pelo museu, uma fotografia maravilhosa,
fazem de Francofonia uma grande experiência, um ponto de reflexão. Se a ideia é
se divertir, fique longe desse filme. Nada contra o cinema de diversão, mas a
proposta aqui é outra.
Ah, fiquei
curiosa sobre o título, e na minha santa ignorância desconhecia que é um termo
bem específico. De modo geral, diz o dicionário que trata-se da adoção da
língua francesa como língua de cultura por quem tem outro idioma como
vernáculo.Ou como
explica mais longamente a Wikipedia, “francofonia é a região linguística descontínua e que corresponde à comunidade linguística que
envolve todas as pessoas que têm em comum a língua francesa, chamadas de "francófonas" ("francoparlantes" e "francofalantes" são grafias também aceitas), e, a partir
dela, compartilham de aspectos culturais semelhantes. Integrados nesta comunidade
estão também os que têm o francês como
segunda língua. Essa diáspora provocada pelos falantes iniciais espalhou
pelo mundo o idioma francês. Assim foi feita uma distribuição
geográfica da língua francesa, que compreende a análise da
distribuição dos milhões de francófonos que há no mundo. É o idioma oficial, ou
co-oficial, principalmente, de países americanos, africanos e europeus.”
O filme já
estreou há algumas semanas, mas ainda dá tempo para ver nas salas do circuito
de artes.
Francofonia:
Louvre Sob Ocupação (Francofonia) – França, Alemanha, Países Baixos, 2015
Direção e
roteiro: Aleksandr Sokúrov
Elenco:
Aleksandr Sokúrov, Louis-Do de Lencquesaing, Benjamin Utzerath, Vincent Nemeth,
Johanna Korthals Altes, Jean-Claude Caër, François Smesny, Peter Lontzek
Fotografia:
Bruno Delbonnel
Vilma Pavani é jornalista,
não é francófona, mas ama a língua e cultura francesas.
Quando os
primeiros acordes de jazz tocam nos créditos de abertura, a sensação de
conforto é instantânea: enfim, um filme de Woody Allen para nos trazer o prazer
de um bom enredo, cinema de primeira linha e um misto de comédia e melancólia.
E Café Society reúne o melhor do cineasta: uma homenagem explícita ao cinema de
antigamente, os áureos anos 30, com o glamour dos artistas da época, as festas
de gala, regadas à espumantes e um brilho cinematográfico que há muito se
perdeu. Allen também faz autorreferências através do personagem de Bobby
Dorfman, interpretado de forma excelente por Jesse Einsenberg e quase vemos o
próprio diretor na pele do ator. Tem também o humor que vai se sobrepondo em
diálogos frenéticos: piscou e logo já vem outra piada mordaz. E ainda a sátira
ao modo de vida de quem estava envolvido com o mundo hollywoodiano nos
primórdios dos blockbusters. Quando pensamos que para por aí, o velho e bom
Woody Allen recria quase que um Grande Gatsby na Nova York dos anos 30 e, é
claro, desfila as paisagens da cidade e demonstra todo o amor que tem pelos
cenários nova-iorquinos e sempre tão fotogênicos e encantadores nas lentes do
diretor.
Muitos
podem dizer que não é Woody Allen em sua melhor forma. Mas como não amar perceber
a mão do cineasta em atores sofríveis e arrancar deles o melhor que podem fazer,
como é o caso da atriz Kristen Stewart. Jesse Eisenberg está excelente, mas
fica melhor ainda do lado da família judia – um ator melhor que o outro e Allen
perfeitamente à vontade para escrever diálogos satíricos em referência às próprias
origens familiares. Ben Dorfman, vivido por Corey Stoll, que fez Ernest
Hemingway em Meia-noite em Paris, volta a trabalhar com o diretor em Café
Society em um personagem sensacional: um gângster super estereotipado, mas
extremamente engraçado. Jeannie Berlin faz a típica mãe judia Rose e está hilária. Steve Carrell é Phil Dorfman, um agente das estrelas de Hollywood,
personagem que faz a costura do enredo, já que a trama se alterna entre a
California e New York ao longo do filme.
Café
Society é o primeiro filme do diretor com financiamento feito pela Amazon
Studios, braço da Amazon.com, que tem escolhido grandes diretores em suas primeiras
investidas na tela grande. Mas, qualquer que seja a motivação para fazer o
filme, Woody Allen acerta a mão e nos ajuda simplesmente a nos apaixonar
ainda mais pelo mundo do cinema.