domingo, 1 de maio de 2016

Hinterland: série policial celta e sombria

Por Dora Carvalho

Hinterland em uma tradução livre do alemão significa interior, uma cidade atrás de um porto ou ainda se refere a uma região com população escassa, com menor desenvolvimento. É justamente essa a atmosfera que dá o clima do seriado britânico Hinterland (BBC), sem dúvida um dos melhores enredos policiais disponíveis atualmente e que já tem duas temporadas no Netflix e uma terceira em fase de produção.
O enredo principal é clássico das estórias típicas de detetive. Um corpo é encontrado em um local isolado, cujas circunstâncias de assassinato são as mais misteriosas possíveis. Mas há várias maneiras já conhecidas de desatar os nós da investigação e um jeito que pode ser muito diferente. É aí que a série Hinterland se destaca.
Primeiro: a série se passa na aldeia de Aberystwyth. Sim, os nomes locais são quase impronunciáveis, com muitas consoantes. Aí que vem o segundo ponto – a trama se passa no País de Gales, cenário pouquíssimo conhecido no imaginário cinematográfico e da TV. Em galês, o nome do seriado é Y Gwyll – Crepúsculo (há trechos escritos e falados em galês, porque as cenas foram rodadas nos dois idiomas). Terceiro: tudo acontece em áreas isoladas, onde o vento e o frio são quase constantes, a vegetação é singular, porque há lugares que parecem áridos, mas também florestas escuras e úmidas, além de pântanos. Há realmente locais assustadores nas locações de Hinterland (quase toda filmada em Ceridigion, região portuária do País de Gales). Ou melhor, a trama deixa tudo ainda mais sinistro e sombrio, com aquelas árvores retorcidas e sem folhas típicas dos romances góticos.
O DCI Tom Mathias (o ator galês Richard Harrington, que já fez um ótimo papel na minissérie Bleak House também da BBC, além de Lark Rise to Candleford) e sua parceira Mared Rhys, vivida pela atriz Mali Harris, têm um jeito peculiar de fazer suas investigações e interrogatórios. Usam a emoção no limite máximo. Ambos os personagens são pessoas atormentadas ou por dramas do passado (Mathias) ou por relacionamentos familiares difíceis (Mared). O que ocorre com os protagonistas é um espelho das investigações, já que é necessário primeiro descobrir segredos de família muito graves antes de chegar a um desfecho. Outro ponto positivo da série. De início, essas tramas paralelas que vão sendo tecidas faz parecer que a estória está perdendo o curso, saindo dos eixos, mas é um recurso para levar o telespectador a duvidar de tudo e de todos, inclusive dos investigadores, já que eles se envolvem muito com os suspeitos do assassinato. Cada episódio faz um eco do passado dos personagens ressoar novamente e nos ajuda a entender a formação psicológica dos protagonistas.
É uma série que não tem nenhuma pirotecnia e não tem as cenas de ação típicas de seriados policiais, sobretudo, se compararmos com os americanos, que tem os fãs mais entusiastas. Portanto, isso pode desagradar e muito quem gosta e está mais acostumado com esse estilo.
Mas quem busca recursos de cinema muito bem adaptados para TV – a luz que revela e esconde o que está prester a acontecer; planos amplos em cenários inóspitos, trilha sonora que eleva o suspense e os batimentos cardíacos e, o mais importante, interpretações de atores que realmente mergulham nos aspectos psicológicos dos personagens (isso acaba se revelando um ponto importante das investigações para a descoberta do verdadeiro assassino) tem chances de gostar. E me agradou mais ainda por ter toda uma atmosfera noir, porém, explorada em um cenário inusitado para o gênero.
As temporadas têm três e cinco episódios de mais ou menos uma hora e meia cada um. Isso permite um mergulho muito maior na estória e o roteiro lembra bastante tramas literárias, já que há tempo para explorar várias facetas dos personagens e nuances dos casos investigados. No primeiro episódio, tem-se a impressão que a série tem um ritmo mais lento, mas isso se desfaz logo a partir do segundo.
São tanto elementos explorados na série criada por Ed Thomas e Ed Talfan, produtores radicados em Cardiff, capital do País de Gales, que o fato de ter tido uma grande receptividade do público britânico não causou tanta surpresa, já que os dois declararam que os cenários galeses iriam sim instigar a curiosidade do público, de tão desconhecidos.
A terceira temporada deve ir ao ar em 2017. Por enquanto, as duas primeiras estão disponíveis no Brasil apenas pelo Netflix.

Só uma pergunta: o que será que está por trás do misterioso inspetor-chefe Brian Prosser (interpretado pelo ator Aneirin Hughes)? Ele tem um quê de Arquivo-X? Veja a série e lance suas apostas.  





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