sábado, 20 de fevereiro de 2016

Trumbo, a caçada às bruxas nos anos 50

Por Vilma Pavani

Diferentemente de O Regresso, o filme Trumbo não tem nada de extraordinário visualmente. Pelo contrário, é um filme quadradinho, com muitos diálogos (ótimos, por sinal), tudo bem papai-mamãe, com começo, meio e fim e que tem como principal apelo o seu pano de fundo, a histeria anticomunista dos anos 50 nos Estados Unidos e que deu origem à odiosa “lista negra”, que impediu dezenas de atores, roteiristas e diretores de trabalhar em Hollywood por serem ligados ou tidos como simpatizantes do Partido Comunista.
Primeiro, minha gente, vamos lá: comunista americano era no máximo cor de rosa. Na maioria eram antinazistas que apoiaram a União Soviética em sua luta contra Hitler. Depois, quando os EUA ficam “de mal” com a URSS, todos os que apoiaram a causa deveriam, na cabeça de um grupo de parlamentares e líderes em várias áreas, de também endemoninhar os ex-aliados. Felizmente, a questão da liberdade de expressão é um apelo muito forte desde os primórdios da vida americana, e a resistência, embora tímida a princípio, acabou por derrubar (depois de alguns bons anos) o chamado macartismo.
No período mais duro desse movimento, liderado pelo senador Joseph McCarthy, em especial nos anos 50 a 57, milhares de americanos tornaram-se vítimas de agressivas investigações e inquéritos abertos pelo governo e indústrias privadas. Eram demitidos e impedidos de trabalhar, muitas vezes com base em denúncias sem provas. O principal alvo das suspeitas foram funcionários públicos, trabalhadores da indústria do entretenimento, educadores e sindicalistas. Foi uma verdadeira caça às bruxas.
O roteirista Dalton Trumbo (Bryan Cranston), personagem do filme, Trumbo, a Lista Negra, tem uma história exemplar do que isso significou em Hollywood. Filiado ao Partido Comunista em 1943, já era um roteirista renomado quando caiu nas malhas do Comitê de Atividades Antiamericanas. Ele e mais nove outros roteiristas (chamados de The Then) recusaram-se a responder às perguntas do Comitê e foram parar na cadeia. Ao sair, depois de 11 meses de prisão, Trumbo e os demais foram  implacavelmente perseguidos. Ele acabou sobrevivendo escrevendo roteiros que eram assinados por outros colegas (alguém lembra do delicioso Testa de Ferro por Acaso, com  Woody Allen?). Uma de suas perseguidoras mais vorazes era a atriz (não lá muito bem-sucedida) e colunista Hedda Hopper, que fazia e desfazia as vidas de muitos atores e pessoas da indústria cinematográfica com suas fofocas, avidamente lidas em vários jornais dos EUA. Hopper foi vivida no filme pela sempre gloriosa Helen Mirren, uma coadjuvante de luxo para Cranston, que por seu lado está perfeito como o irônico e icônico Trumbo.
Mesmo escrevendo sob pseudônimo, Trumbo ganhou dois Oscar naquele período, por A Princesa e o Plebeu (1953) e Arenas Sangrentas (1956). A ironia da coisa é que todo mundo sabia, nos bastidores, o que se passava, mas os estúdios fingiam não saber quem era o homem por detrás dos pseudônimos. O mesmo aconteceu com outros roteiristas, com quem Trumbo “terceirizava” os trabalhos, até que, em 1957, praticamente ao mesmo tempo, o diretor Otto Preminger e o produtor e ator Kirk Douglas decidem colocar o nome de Trumbo nos créditos dos filmes Exodus e Spartacus (que levou o Oscar daquele ano), derrubando assim a odiosa lista.
O Comitê, aliás, usava como argumento que a indústria do cinema subvertia os valores democráticos e patrióticos do país. Sabendo, como se soube depois, dos vários filmes feitos pelos perigosos comunistas de plantão, fico pensando quem pode ter se tornado “vermelho” por assistir A princesa e o Plebeu, comédia romântica deliciosa com Audrey Hepburn e Gregory Peck. Embora ridícula, numa entrevista Trumbo diz que a lista negra foi perversa, pois causou desemprego, depressão e suicídios e vitimou até mesmo aqueles que, pressionados, delataram companheiros. Afinal, como lembra Edward G. Robinson, um dos delatores, os roteiristas ainda podiam escrever anonimamente, mas ele, um ator, não tinha como reinventar-se.
Enfim, é um filme interessante para quem gosta de filmes biográficos (meu caso) e que não se importam em fixar-se no roteiro (neste caso, uma merecida homenagem à classe) mais do que na forma. Para quem não se interessa por temas mais “politizados”, melhor ver o urso dando porrada no DiCaprio ou o Matt Damon brincando de horta em Marte. Ahh, acho que Cranston está melhor do que DiCaprio em O Regresso, mas isso não deve fazer diferença no resultado.


Vilma Pavani é jornalista e se tornou de esquerda depois de assistir Arenas Sangrentas, que fala da amizade de um menino com um touro condenado a ir para a arena. Sempre torço pelo touro, o que deve ser uma grande subversão.

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